A avaliação do Ensino Superior como política pública
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Na proposta de revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, apresentada pelo Governo, propõe-se que cursos exclusivamente nacionais possam ser acreditados por agências estrangeiras, desde que registadas no European Quality Assurance Register for Higher Education. Os principais argumentos a favor desta proposta são acabar com o monopólio da agência nacional, a A3Es, e fomentar a internacionalização do Ensino Superior, argumentos defendidos, sobretudo, por representantes de instituições privadas. Penso que há riscos nesta proposta que não têm sido debatidos.
A A3Es é uma entidade independente, com poderes regulatórios atribuídos pelo Estado para avaliar e acreditar as instituições de Ensino Superior e os seus cursos. A acreditação, mais do que um selo técnico, é um instrumento de política pública que permite assegurar a qualidade e a legalidade do sistema de Ensino Superior público e privado. A A3Es tem desempenhado esse papel com rigor e independência, assegurando que os cursos oferecidos pelas instituições portuguesas cumprem padrões elevados de qualidade, tendo por referência as exigências legais e o contexto institucional, social e económico do país.
Permitir que as instituições escolham livremente agências externas de avaliação e acreditação é confundir regulação e mercado, enfraquecendo a A3Es e a responsabilidade pública de garantir a legalidade e a qualidade académicas. A escolha de agências com critérios mais flexíveis poderá levar a uma acreditação estratégica e oportunista, em vez de pedagógica ou científica. A proposta do Governo ameaça a equidade e a transparência. Instituições com mais recursos poderão recorrer ao mercado das agências internacionais, gerando um sistema dual e fragmentado, comprometendo a comparabilidade entre cursos e a avaliação global do sistema.
O argumento da internacionalização do Ensino Superior e da sua avaliação não faz sentido. A A3Es participa em redes europeias e integra avaliadores estrangeiros nos seus painéis. E as instituições têm já hoje total autonomia para requerer acreditações complementares por agências internacionais, como acontece com as escolas de gestão ou de engenharia que requerem a acreditação pelas AACSB, EQUIS, AMBA ou a EUR ACE.
O argumento da concorrência faz ainda menos sentido, criando, no limite, uma dinâmica absurda de hiperburocratização. Se introduzirmos concorrência ente reguladores, quem regula essa concorrência? E depois, introduzimos concorrência entre os reguladores da concorrência entre reguladores? E por aí adiante?