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Há uma mão cheia de anos perguntaram-me se precisava de ajuda para arranjar homem e ter filhos. Assim. Exatamente com estas palavras. Há vários pontos discutíveis na questão – atirada com a maior das naturalidades por alguém mais velho numa mesa repleta de gente – mas prefiro focar-me no essencial. Durante alguns instantes, poucos, felizmente, juro ter sentido o útero encolher-se de vergonha, seco, moribundo, incumpridor. Defendi-me ao ataque e lembro-me de arrancar gargalhadas a quem nos ouvia, mas, por dentro, derrota.
Se a vida fosse jogada dentro das quatro linhas, aos cartões vermelho e amarelo juntava-se um terceiro, o da incompetência, tantas vezes mostrado a quem não tem filhos. Pouco importa o motivo, o contexto social e profissional. Uma mulher não ser mãe aos 36 anos gera reações de estranheza que magoam tanto como a falta de empatia em relação aos gigantescos desafios da maternidade.
Ainda por cima, a tendência não é propriamente nova nem surpreendente: nascem cada vez menos bebés e os casais optam por dar esse passo cada vez mais tarde. Um relatório de junho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) dava conta de que em 20 anos, entre 1955 e 1975, o número de mulheres sem filhos triplicou (passou de 2,9% para 8,9%). Além disso, em 1980, a média de idade de uma mãe de primeira viagem era de 27 anos, número que passou, em 2022, para quase 32. Afinal de contas, qual é o espanto? Neste cenário mundial, o que é que motiva os olhares condescendentes lançados a quem não tem filhos? Será que tem de haver mesmo dois lados da força?
Sim, os pais são super-heróis. É assim que olho para os meus e não há nada mais emocionante do que ver amigos do coração estrearem-se neste papel. Lamentável é ver que, numa sociedade cada vez mais voltada para a liberdade de escolha, 500 mulheres inglesas tenham sentido a necessidade de se juntar para gritar ao Mundo que não, não são aberrações, simplesmente não querem ter filhos. Fiona Powley dirige o “Bristol Childfree Women” há 12 anos e, à conversa com a BBC, recordou um comentário específico que lhe fizeram. “Se não tens filhos, qual é a tua razão de ser? Não és válida como mulher”.
É preciso (continuar a) explicar às meninas que a sua maior força não está no útero, está no cérebro, na capacidade de fazer escolhas. Na liberdade de imporem a sua vontade porque podem e porque devem. No poder de decidirem se querem estar acompanhadas ou sozinhas, se preferem o silêncio à palavra, se querem ouvir ou ser ouvidas, serem mães ou madrinhas. É preciso coragem para ter filhos e sobretudo para não os ter.