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A análise dos resultados das últimas eleições suscita uma questão importante: como vai a democracia, baseada nos valores da liberdade, da igualdade e do pluralismo, apoiada em Portugal por mais de 80% dos eleitores, sobreviver à força bruta de quem apela ao que há de pior na natureza humana? Mais, como pode ser defendida a democracia na Europa, com a guerra na Ucrânia que ameaça alastrar a outros países? Como vai sobreviver a democracia com o aumento do número de países com regimes autocráticos em que o crescimento económico, apesar de tudo, tem permitido a melhoria das condições de vida de milhões de cidadãos? Como pode ser protegida a democracia do uso de tecnologias digitais que tem permitido alargar o poder de controlo da informação e de vigilância dos cidadãos?
Para refletir sobre estas questões, encontramos muita informação relevante no número de 2023 do Democracy Report, produzido anualmente pelo V-Dem Institute, da Universidade de Gotemburgo. O relatório atualiza, como em anos anteriores, o estado da democracia liberal no Mundo, medido pelo Índice de Democracia Liberal, disponibilizando informação sobre o funcionamento das instituições políticas em cerca de 180 países (https://www.v-dem.net/ graphing/). Duas notas sobre o relatório.
No contexto atual, a informação dele constante assume particular importância. Compreender a complexidade das questões enunciadas e procurar respostas exige conhecer melhor o funcionamento das sociedades e das instituições. A metodologia usada baseia-se na recolha de informação factual sobre o funcionamento dos órgãos de soberania, dos poderes executivo, legislativo e judicial, dos processos eleitorais, dos mecanismos de salvaguarda das liberdades, das garantias e da igualdade de direitos, da participação da sociedade civil, dos meios de Comunicação Social. Não se trata de uma compilação de perceções, mas de análises feitas por um grupo alargado de peritos, segundo critérios rigorosos e escrutináveis. De leitura e estudo obrigatório por todos os que se preocupam com a democracia.
Portugal, apesar de estar entre os países top 20 de democracia liberal consolidada, tem perdido posições no Índice. Sem grande surpresa, a nossa democracia perde pontos no funcionamento da Justiça (acesso, aplicação e eficácia das leis, transparência das decisões) e da Comunicação Social (falta de pluralismo e informação tendenciosa).
Conhecer é muito importante. Porém, exige-se igualmente capacidade para retirar conclusões do conhecimento produzido e encontrar soluções para agir de forma consequente.