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Ukra despediu-se dos relvados na última sexta-feira, depois de 17 anos de futebol profissional em que vestiu as camisolas do F. C. Porto, do Braga, do Rio Ave, entre outras. Por ter integrado o plantel portista na época de sonho de André Villas-Boas, em 2010/11, tem até no currículo um título nacional, uma Taça de Portugal, uma Supertaça, uma Liga Europa. Mesmo que tenha participado em apenas oito jogos dos dragões antes de ser emprestado. Representou os sub-21 portugueses em 16 ocasiões, mas só por uma vez foi chamado à seleção A. Arrisco dizer que não figurará nunca em tops dos melhores futebolistas portugueses (as lesões nos joelhos também não ajudaram, é justo dizê-lo). E ainda assim o momento em que pendurou as botas, no derradeiro jogo do Rio Ave em Vila do Conde, frente ao Benfica, deixou os Arcos num clima de comoção, motivou uma corrente inaudita de carinho, mereceu palavras de apreço por parte de representantes dos principais clubes, num uníssono tão poucas vezes visto no futebol.
Ao longo dos últimos anos, Ukra deu que falar pelos episódios criativos e divertidos. Fosse por se esconder em cacifos, por vestir um mankini à Borat ou por chegar ao treino de trator. Mas para lá das paródias que lhe deram notoriedade nas redes, o “rei”, como lhe chamam colegas e adeptos, foi mostrando que era, a vários níveis, um jogador distinto. Por alegrar e unir o balneário, por cultivar boas relações com os rivais, por não alimentar quezílias (nunca viu um cartão vermelho), por não se deixar consumir pelo ego, por não sucumbir à amargura das lesões ou da curva descendente da carreira - prova disso é que, mesmo não sendo convocado, fez questão de viajar até à Amadora para apoiar a equipa. Sobretudo, por mostrar que o futebol não tem de ser uma guerra. Se dúvidas restassem, voltou a mostrá-lo no derradeiro ato quando, confrontado com as (lamentáveis) vaias da claque encarnada durante o discurso de despedida, reagiu assim: “Quero dizer aos adeptos do Benfica (...) que não há ressentimento algum da minha parte.” Não espanta que até Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, tenha feito questão de lhe agradecer a forma como elevou o desporto-rei.
Em tempo de extremismos e desconfiança, em que parece cada vez mais fácil cultivar o ódio ao outro como remédio para todos os males – seja o outro negro, imigrante, gay, trans, simplesmente diferente –, ignorando a premissa elementar de que retirar direitos básicos ao próximo não tornará a nossa vida melhor, Ukra, na sua alegria pura e jeito de eterno menino de bem com o Mundo, deixa-nos uma lição que vai além do futebol: que a vida será sempre mais plena se for levada sem amarguras ou ressentimentos.