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O fenómeno não é novo. Nas páginas dos meios de comunicação nas redes sociais, destilar ódio contra o jornalismo e os jornalistas há muito se tornou uma espécie de desporto nacional, ao nível daquele hábito de ir ao futebol insultar o árbitro e assim exorcizar as frustrações da vida. Ora somos incompetentes, ora somos tendenciosos, ora fomos comprados, ora estamos “ao serviço do sistema”.
Um mesmo jornalista é, em momentos diferentes, consoante o tema que trate, “acusado” de ser de Esquerda e de Direita, do F. C. Porto e do Benfica. Mais curioso é perceber que com frequência os ditos comentários não se baseiam sequer na leitura do artigo, cingem-se às três linhas de pós-título que acompanham a publicação. A maledicência extravasa as redes, é percetível nas conversas de café, nos transportes, com frequência resvala para um ceticismo preocupante.
Lembro-me, a propósito, de um jovem com quem falei há uns meses, para um trabalho. Tinha 24 anos, consumia avidamente conteúdo político via X (antigo Twitter), defendia uma retórica anti-imigração. Quando confrontado com o contributo amplamente positivo dos imigrantes para a Segurança Social, respondeu assim: “Pelo que li, se fossem tratados dados reais, os números não seriam esses”. Sintomático. É verdade que ainda há quem valorize a importância deste ofício.
E não, o jornalismo não está isento de culpas nem pode ser imune à crítica. Mas a forma como o populismo tem tentado tirar partido das debilidades para arrasar a credibilidade dos média é particularmente preocupante. Ainda há uns meses, André Ventura, líder do Chega, acusou os jornalistas de serem “o inimigo do povo”. Acresce que, nas páginas do partido, os ataques a dados meios de comunicação e páginas de verificação de factos são recorrentes. “Jornalixo”, resume-se.
A postura serve uma estratégia mais profunda: na era da pós-verdade, em que as narrativas falaciosas ajudam a instigar o medo e a aumentar a legião de crentes nos discursos populistas, minar a confiança nos média (e de resto, o próprio conceito de verdade) é meio caminho andado. Daí que partidos e Governos democraticamente responsáveis tenham hoje um papel relevante no combate à desinformação e na defesa do “quarto poder”.
É por isso que as declarações do primeiro-ministro sobre perguntas sopradas via auriculares, deixando subentendida a existência de interesses obscuros, e logo no momento em que anunciava medidas de apoio ao setor, foram ainda mais desconcertantes. Por muitas justificações que dê, Luís Montenegro só contribuiu para alimentar o papão do descrédito do jornalismo. Perde a democracia, perdemos todos.