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A Iniciativa Liberal, no sentido de criar dificuldades à AD, anunciou que vai apresentar uma proposta de revisão constitucional. Logo, o Chega procurou liderar esta onda e tenta romper um consenso de regime que tem sempre presidido a este processo. Os resultados das eleições legislativas, ao relegarem o Partido Socialista para um terceiro lugar, criaram as condições para uma tentativa de vingança sobre o PREC.
O silêncio do PSD parece significar uma vontade de não se precipitar neste processo, sabendo que o seu parceiro de coligação, o CDS, deu logo, em 1976, o seu voto contra esta Constituição. Certo é que nada disso impediu o PSD e o PS de fazerem e protagonizarem as grandes revisões de 1982 e 1989. A primeira sobre o sistema político e a segunda sobre o sistema económico das nacionalizações irreversíveis. Desde então as revisões subsequentes foram mais cirúrgicas e quase sempre com motivações europeias.
À questão se o país precisa ou não de uma revisão constitucional, sejamos claros, a resposta será não. O país precisa de reformas assentes no trabalho do Governo e propostas no Parlamento para que esse mesmo país não pare. Esta Constituição prepara-se para fazer 50 anos em 2026, curiosamente no mesmo ano em que a Carta Constitucional celebra 200 anos. Ambos os documentos são os de maior durabilidade na nossa história constitucional.
Uma nova revisão constitucional não poderá colocar em crise o quadro de direitos, liberdades e garantias, bem como os direitos que garantem o Estado social. A iniciar-se um processo de revisão constitucional, esse deve-se focar naquilo que parece ser necessário ao Estado democrático. Desde logo, na reforma administrativa do Estado, tornando-o mais próximo dos cidadãos. Na reforma do sistema eleitoral, adaptando a estrutura dos círculos eleitorais e abandonando a ideia de distritos. Outra possibilidade, através da criação de um círculo de compensação, será o melhorar o aproveitamento de muitos votos desperdiçados. Depois as relações com a justiça precisam de uma reflexão. Pese embora o apelo do Chega para a consagração da ideia de prisão perpétua, não me parece que essa seja a cultura jurídica dos portugueses porque está muito afastada da sua tradição histórica de defesa dos direitos humanos.
A revisão constitucional pode e deve ser um momento de afirmação para se concretizar uma melhoria do nosso sistema político, consagrando a ideia de moção de censura construtiva e, dessa forma, contribuir para a ideia de estabilidade. Espera-se que os constituintes de 2026 possam estar à altura de outros constituintes cuja principal preocupação foi sempre a mesma de Ferdinand Lassalle, que nos alertava para a Constituição real que, quando se afasta da realidade social, passa a ser uma mera folha de papel.
Portugal precisa de um Governo que se assuma como reformista e que responda aos anseios dos portugueses.