Corpo do artigo
Temos muitas vezes uma perceção negativa sobre a saúde da nossa democracia, estendendo esse pessimismo a outras dimensões da nossa vida comum, como a educação, a saúde ou o desenvolvimento. É verdade que temos muitos problemas por resolver, designadamente o das desigualdades e do crescimento, ou o da qualificação da nossa população adulta. Porém, da consciência ou do conhecimento desses problemas deve resultar ação e não lamentação. E, para saber o que fazer, requer-se que se distinga o que fazemos mal, do que fazemos bem. Pensar que tudo está mal é o primeiro passo para substituir a ação pela lamentação.
Vem isto a propósito da publicação, em março, do último Democracy Report, produzido anualmente pelo V-Dem Institute da Universidade de Gotemburgo. O número de 2021 começa por apresentar, como nos anos anteriores, uma atualização sobre o estado da democracia liberal no Mundo, medido pelo Índice de Democracia Liberal. Mas não só, apresenta-nos, ainda, uma avaliação dos efeitos das medidas de proteção contra a covid, designadamente o confinamento, na saúde das democracias liberais nos vários países do Mundo. Destaco duas conclusões deste relatório.
Em primeiro lugar, sobre os efeitos das medidas de proteção contra a covid. Estas medidas contribuíram para a deterioração da qualidade da democracia em muitos países e para o alastramento das autocracias. Ou seja, há hoje mais pessoas no Mundo a viver em regimes autocráticos e há mais países do Mundo em que se intensificaram as restrições e ameaças à liberdade de expressão ou aos meios de comunicação. Como se a autocracia ou a "autocratização" se tivessem elas próprias tornado virais.
A segunda conclusão respeita ao nosso país. No Índice de Democracia Liberal Portugal está classificado no top 10, isto é, está entre os 10% de países com uma vida democrática liberal de maior qualidade. São inúmeras as variáveis e indicadores que compõem o índice, mas podemos resumi-las em cinco grandes grupos: processos eleitorais democráticos; garantias legais de igualdade perante a lei; liberdade de expressão, de associação e de participação; mecanismos de proteção das igualdades sociais, cívicas e de recursos; participação dos cidadãos nas instituições da sociedade civil e das instituições do poder democrático local. Portugal está igualmente bem colocado em todos estes domínios? Não, está mesmo particularmente mal no domínio da participação cívica e política. O que significa que é neste domínio que devemos concentrar esforços de melhoria do nosso sistema democrático.
*Professora universitária