O debate público sobre a saúde em Portugal é dominado pelo tema dos recursos humanos e financeiros. Discute-se o número de médicos, o orçamento da saúde, o número de pessoas sem médico de família ou o tempo de espera para consultas ou cirurgias. Reduzindo desta forma o debate, o alargamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos promotores privados parece ser a única solução viável. Clarificando a minha posição: não tenho objeção de princípios à inclusão de privados no SNS. Porém, penso que os problemas não se resolverão se reduzirmos desta forma o debate sobre o SNS.
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O problema dos recursos humanos e financeiros é muito importante e tenderá a agravar-se, por razões conhecidas: a investigação e o conhecimento não param de oferecer novas soluções e exigem investimentos tecnológicos crescentes; o envelhecimento requer mais cuidados de saúde; crescem as expectativas dos cidadãos de acesso a mais e melhores cuidados e serviços. É pois necessária uma abordagem diferente, que coloque a ênfase na sustentabilidade e na eficiência da utilização dos recursos. Proponho, para reflexão, três tópicos.
Primeiro, revisitar a divisão social do trabalho, isto é, a definição dos atos reservados aos diferentes profissionais de saúde. Esta revisitação é fundamental sobretudo no que respeita às responsabilidades dos profissionais de enfermagem, os quais, dados os padrões da sua formação, poderiam assumir responsabilidades semelhantes às que têm noutros países desenvolvidos. Este tem sido, em Portugal, um tema tabu. Porém, quando se estudam as razões da emigração de milhares de enfermeiros, encontram-se sempre as referências às possibilidades (concretizadas) de realização profissional e às oportunidades de carreira inexistentes em Portugal.
Segundo, mobilizar o conhecimento sobre as formas de organização do trabalho nas instituições de saúde. Nestas, predomina o trabalho de profissionais altamente qualificados, cujo exercício exige elevados níveis de autonomia e de ação colaborativa em equipas estáveis. Em muitos casos, combinando, para a resolução dos problemas, especialização com abordagens sistémicas e generalistas. Porém, tratando-se sempre de trabalho complexo, é incompatível com soluções organizativas baseadas em modalidades de avença ou de tarefa.
Terceiro, responder às expectativas de participação dos cidadãos nas decisões sobre a sua saúde, o seu corpo, a sua doença. Participação que deve ser real, mesmo quando se preserva quer o espaço de autoridade e de poder profissional baseado em conhecimento científico, quer a perceção do que será o interesse público.
Professora universitária