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A saúde tem estado na crista do combate político-partidário, o que acontece incessante e cansativamente, há já muitos anos. Há nesta realidade algo de estranho, porquanto as propostas dos dois blocos que têm governado alternativamente o país não são assim tão diferentes, como o têm demonstrado pelas opções e pelas ações que têm escolhido e implementado nos períodos em que estão no poder.
Sei bem quanto de utópico tem a formulação deste desejo, mas: a questão que temos mesmo de colocar é sobre quais as razões que impedem então que sobre o tema se construa o tal pacto de regime de que, igualmente há muito tempo, ouvimos falar?
Continuar a adiar não é solução, uma vez que os desafios que neste domínio estão pela frente reclamam reforma e ação imediata. Mais, a dimensão e a ousadia das medidas que é necessário tomar exigem coragem para as assumir e implementar, o que só será possível num quadro de amplo consenso quanto ao essencial e estrutural.
E assim, só mesmo um milagre de Natal nos poderá valer!
A não acontecer, como temo que será o desfecho mais provável, só vejo uma alternativa com possibilidades de ter sucesso, ainda que difícil e, porventura, demorada: os cidadãos tomarem boa consciência do problema e pressionarem, de forma muito persuasiva, os decisores a agir no sentido certo.
Há, claro, uma outra possibilidade, que passa por esses mesmos decisores assumirem eles próprios essa opção o que, pelo que temos visto, não parece ter pernas para andar.
Com efeito, as medidas necessárias e imprescindíveis, uma vez que são difíceis, porque por regra impopulares, ou são adiadas ou, quando tentadas, quem, no momento, estiver na oposição trata de as inviabilizar na convicção de que tal poderá dar dividendos políticos. E, de facto, tem dado, mas com custos, financeiros e de oportunidade, cada vez mais elevados para todos.
Acredito, e julgo que não sou o único, que o que esteve na base do sucesso do nosso SNS, permitindo que nestes cerca de 40 anos o país fosse dotado de um serviço público de saúde que, apesar de ter muito por onde melhorar, compara bem com as realidades de outros países, nomeadamente na Europa, foi um pacto tácito entre os que sobre o assunto foram tendo responsabilidades, ao nível político e ao nível operacional, não quebrando o ciclo virtuoso de melhorar o que os outros iam deixando, independentemente das simpatias partidárias destes.
O que parece estar a acontecer - e que de algum modo caracteriza a realidade do SNS da última década - é que os desafios em presença subiram para outros patamares de exigência, complexidade e sobretudo de necessidade de rutura com o status quo, para os quais o referido pacto tácito é manifestamente insuficiente. O compromisso terá de ser mais elevado, mais estável e mais forte.
E por isso seria um inestimável serviço prestado à pátria e aos portugueses se este assunto entrasse forte na campanha para as eleições presidenciais que está agora a arrancar, com os candidatos a assumirem, como grande bandeira, o total empenho na promoção e construção deste pacto e deste compromisso. Já não seria para este Natal, mas poderia ser para o de 2025. O que não deixaria de ser era um bom caminho para o milagre, e dos grandes!