Temos vivido, nos últimos tempos, algo que não se compreende e, para tal, basta atender a três momentos. Os ataques cibernéticos a várias entidades, um eventual atentado terrorista e a confusão no final do F. C. Porto-Sporting.
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Se as situações são já preocupantes, o comportamento da comunicação e de algumas instituições deixam muitas interrogações.
Desde logo a que envolve um jovem de 18 anos, apanhado no meio de um conjunto sucessivo de acontecimentos, que parecem nada mais revelar do que um problema psiquiátrico, a merecer atenção desproporcionada. Uma instituição prestigiada deu publicidade, mesmo contra a opinião de especialistas como Cândida Almeida, que sabe do que fala e basta só lembrar o caso das FP-25. As televisões repetem os dias a falar do assunto e a ouvir pessoas cuja competência o país desconhece.
As mesmas televisões olham para os ciberataques de uma forma superficial como inevitável, ignoram a tensão internacional, especulam sobre o futuro Governo e continuam a falar da pandemia como algo que deve continuar a colocar-nos dúvidas sobre a nossa liberdade.
A cereja no topo do bolo foi o final do F. C. Porto-Sporting e os incidentes que o mesmo provocou. Logo, de imediato, as televisões e os seus comentadores acusaram o árbitro do encontro e o F. C. Porto de serem responsáveis dos incidentes que envolveram jogadores de ambas as equipas.
Esta capacidade de os comentadores servirem as agendas pessoais e os interesses de alguns evidencia a pobreza como as televisões contribuem, em Portugal, para o debate cívico. O resultado começa a mostrar que nem os canais especializados merecem já a atenção de muitos de nós. A televisão de hoje, preocupada com as audiências e a sua sustentabilidade financeira, vale pelo espetáculo de dizer mal e falar mal de tudo ao tentar apresentar-se como uma espécie de tribunal que julga e condiciona, por antecipação, o resultado final.
Karl Popper participou, com John Condry, num livro intitulado "Televisão: um perigo para a democracia", onde escrevia que "a democracia consiste em submeter o poder político a um controlo. É essa a sua característica essencial. Numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora, a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal; podemos mesmo dizer que é potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus. E será assim enquanto continuarmos a suportar os seus abusos (...). Nenhuma democracia pode sobreviver se não pusermos cobro a esta omnipotência".
Depois não se admirem do Chega!
*Professor universitário de Ciência Política