A democracia portuguesa e as suas instituições têm sido postas à prova a propósito de situações que envolvem o processo de seleção e escolha para cargos políticos.
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Quem chegue a Portugal, de repente, parece que aterrou num país onde são escolhidos perfis de pessoas que só têm complicações com a Justiça. Ao mesmo tempo vamos assistindo a uma certa judicialização da política, o que acarreta sempre dúvidas para aquele cidadão que, com um salário mínimo, tenta viver e precisa do Estado social para poder compor o seu rendimento.
Evidente se torna que esse cidadão, que sendo um eleitor também é consumidor, contribuinte e utilizador de serviços públicos, fica mais vulnerável àqueles que, atacando as instituições democráticas, pretendem arranjar espaço político para atingirem o poder e, depois, talvez o usarem em seu benefício pessoal.
Este caldo de cultura naturalmente desgasta as instituições e o seu normal funcionamento.
Uma coisa parece certa, o primeiro-ministro terá de voltar a ter uma agenda política, sob pena de não conseguir sair do atoleiro para onde se parece arrastar. A sua última entrevista à revista "Visão" vai ficar como um caso de estudo pela forma desastrada como mostrou a sua indiferença a esse tipo de problemas.
O presidente da República tem conseguido, ao longo desta crise, ser o tal pilar da estabilidade do sistema político, dando ao Governo a capacidade que este perdeu e, em simultâneo, mantendo o mesmo debaixo da sua mira de escrutínio.
Neste cenário de uma maioria absoluta, seria importante o principal partido da Oposição estar preparado para ser uma verdadeira alternativa. Como? Evitando a armadilha do momento e evidenciando uma verdadeira agenda reformista para Portugal.
Quando nos preparamos para comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974, estamos certos de que todos aqueles que naquela já longínqua madrugada arriscaram tudo em favor de um Portugal mais justo, mais equitativo e mais produtivo não merecem que as instituições estejam a ser fragilizadas desta forma no seu modelo de funcionamento.
Sejamos dignos dos capitães de Abril, que Salgueiro Maia soube protagonizar, e de todos aqueles que, ao longo deste tempo, ajudaram na consolidação da nossa liberdade.
Há dias, participei, em Vila Flor, na homenagem a um desses homens, que o tempo vai fazendo cair no esquecimento: João Pedro Miller Guerra. O seu exemplo e as suas convicções foram elogiados. Companheiro de Sá Carneiro, na Ala Liberal da Assembleia Nacional marcelista, camarada de Mário Soares, quando entrou no PS, foi decisivo na criação do SNS.
São estes momentos que nos ajudam a continuar a acreditar na sustentabilidade da nossa democracia e a não desistir.
*Professor universitário de Ciência Política