O discurso de vitória de Rui Moreira ia a meio, quando o autarca reeleito para um último mandato à frente da Câmara do Porto disse, mais ou menos, isto: é preciso federar o movimento de candidatos independentes que tem vindo a ganhar expressão pelo país fora. A declaração, que passou despercebida, merece um comentário.
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É certo que os ares do Mundo, hoje tributários de um crescente esmagamento das tradicionais ideologias e do desaparecimento daquilo a que os sociólogos gostam de chamar "as grandes narrativas", abrem espaço ao aparecimento de alternativas que fujam do espectro partidário. É bom que assim seja. Será ótimo que assim continue a ser. Ocorre que o otimismo esbarra, pelo menos para já, nos números, essa coisa chata, mas inescapável. Dos 19 presidentes de Câmara eleitos por movimentos independentes, apenas dois não têm no currículo anteriores ligações partidárias. O facto não diminui nenhuma conquista, mas é revelador.
Sabe-se que, em muitos casos, as candidaturas independentes resultam, para dizer o mínimo, de anteriores aborrecimentos com as estruturas partidárias. Outra vez os números: 19 dos 17 eleitos vieram das fileiras do PSD, sete do PS e um da CDU. Sobram dois. É poucochinho para, como deseja Rui Moreira, federar o que quer que seja.
Verdade que os engulhos são ainda muitos, a começar pelas verbas necessárias para montar uma campanha meritória e a acabar nos riscos acrescidos que uma candidatura independente representa, pessoal e profissionalmente. Sobre tudo isso, contudo, permanece um traço, digamos assim, pós-moderno: o vaivém constante e fluido entre a massa partidária e a tribo independente. Vale o mesmo dizer: estamos bastante longe de podermos assumir as candidaturas independentes como facto consumado, logo suscetível de ser federado, com isso ganhando expressão e poder.
Há caminho para fazer? Certamente. Haja esperança.
P.S. Na última crónica, publicada antes das autárquicas, previ para o candidato do PS ao Porto um resultado abaixo dos 20%. Acertei: ficou nos 18%. E atrevi-me a dizer que o candidato do PSD não chegaria aos dois dígitos. Erro grande: chegou aos 18%. O engenheiro Vladimiro que me desculpe.
Jornalista