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Entraram anteontem em vigor as novas regras da Conferência Episcopal Italiana, aprovadas pelo Vaticano. No documento, reitera-se que “a Igreja (...) não pode admitir ao seminário ou ao sacerdócio aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente enraizadas ou apoiam a chamada cultura gay”. No fundo, a mensagem que se passa, a todos os que pretendam seguir a via do sacerdócio, é: podem ser gays, mas poucochinho. De preferência, escondam-se no vosso armário, para que ninguém perceba a vossa degenerescência. De sublinhar que, antes de elencar os “pecados” que não têm lugar nos seminários, se faz esta ressalva: “Embora respeitando profundamente as pessoas em questão (...)”. Respeito? A questão nem é tanto a “prática da homossexualidade”. Ainda que há muito o celibato imposto aos padres me pareça anacrónico, a verdade é que ele se aplica tanto a hetero como a homossexuais. Mas quando se fala de “tendências homossexuais profundamente enraizadas” ou de “apoiar a cultura gay”, há um tom depreciativo inegável, um julgamento inerente, um estigma vincado que (e isto parece-me particularmente grave) induz nos homossexuais católicos uma sensação de culpa e vergonha, com todas as consequências psicológicas que daí advêm. Dirão os defensores das leituras benévolas que, ao longo dos anos, até têm sido dado passos no sentido de uma abertura crescente, como a aprovação, por parte do Papa Francisco da bênção para casais do mesmo sexo. A decisão, anunciada em dezembro de 2023, foi considerada histórica, mas, claro, também neste caso há grandes “ses”: a bênção não significa a aprovação da união e não pode fazer parte dos rituais regulares da Igreja ou das liturgias. Como um dedo permanentemente apontado, que lembra que os homossexuais só por gentil piedade podem ter lugar na Igreja. Assim, uma instituição que se anuncia como uma casa de humanismo e amor ao próximo, eterniza-se como um espaço de discriminação e estigma. E logo num tempo em que um verdadeiro caminho de inclusão é mais preciso do que nunca, dado o recrudescimento de tendências extremistas que voltam a ameaçar as minorias. Nesse aspeto, esteve bem José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, na forma como classificou a manifestação “Não nos encostem à parede”, que, anteontem, juntou milhares de pessoas em Lisboa, na defesa dos imigrantes e na luta contra o racismo e a xenofobia. “É uma ação bonita de dizer ‘nós não resignamos’. (...) Não podemos ficar simplesmente parados e a Igreja também não.” Isto, sim, soa a amar o próximo.