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Sei que vos dizem o contrário. Compreendo que seja fácil cair na ilusão da grandeza que um certo número de seguidores transmite. Consigo sentir-vos o ego enfartado – qual balão prestes a explodir – com as notificações de “likes” e comentários a pingarem constantemente nos vossos ecrãs. Que criaturas especiais! Que homens incríveis, destemidos, a desafiar o perigo com vídeos criminosos partilhados nas redes sociais!
Não tenho especial prazer em ser portadora de más notícias, mas crescer é assim mesmo – dói – e, por isso, gostava de vos dizer uma coisa extremamente básica que, aos vossos olhos, será nova. Levar uma menina que vos admira para uma arrecadação, violá-la e mostrar as imagens ao mundo não vos torna mais másculos, irresistíveis e idolatrados. É de uma falta de caráter atroz e espero que saibam, no alto pedestal em que se sentam, que, se os dias andam difíceis, a culpa tem um nome. O vosso e o da vossa vergonha. Antes de quererem ser machos, sejam só humanos, por favor, e o planeta agradece.
Se as vossas atitudes são de tirar o sono ao mais comum dos mortais, as dos vossos seguidores acompanham o guião. Será normal abrir uma rede social, assistir a um vídeo de abuso sexual e continuar a fazer “scroll” como se nada fosse? Milhares de visualizações e um total de zero queixas às autoridades? Era mesmo preciso ter sido o hospital que atendeu a vítima a fazer a denúncia? Estar presente nestas plataformas é, sem sombra de dúvida, a coisa mais natural da atualidade. Não podemos é tornar-nos acéfalos ao ponto de fechar os olhos a um crime que nos caiu literalmente no colo. Não era uma cena protagonizada por atores para a novela da noite nem uma partidinha de mau gosto. Era a vida real, triste, amarga e injusta. Uma menor a ser atacada pelos próprios ídolos.
O mergulho nas redes sociais está dado e sair do pântano é um cenário pouco provável. Resta-nos aprender a respirar nas águas turvas e traiçoeiras. Os pais são um elemento-chave no processo porque o digital só se contraria com o presencial, com o toque, o abraço e a linguagem verbal, que não conhece emojis. Contudo, na escola, desde cedo, a literacia para as redes tem de andar de mãos dadas com a Matemática, o Português e o Estudo do Meio. As crianças têm de saber rapidamente que a maldade e a mentira vivem à distância de um clique e que as boas referências nem sempre se avaliam pelo número de seguidores.
Em 2024, o Relatório de Segurança Interna (RASI) contabilizou 543 crimes de violação, mais 49 face ao ano anterior. É um vergonhoso aumento de 10% e se continuarmos a chamar “influencers” a estes pirralhos mais vale não olharmos para os dados deste ano.