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Em Portugal, qualquer avanço na desconcentração ou na descentralização tende a ser visto pela analogia do copo meio vazio ou meio cheio. A atual lei orgânica das CCDR fica aquém das legítimas expectativas criadas pelo trabalho da Comissão Independente para a Descentralização ou pela RCM 123/2022, relativa ao reforço dos poderes das CCDR, e que estabeleceu modo e prazos de integração de muitos serviços periféricos do Estado nestes “superinstitutos públicos”. Nesta perspetiva (mais estrita), aquela lei orgânica constitui o copo meio vazio.
No entanto, esta integração deve ser analisada em articulação com a descentralização de competências para os municípios em áreas como a educação, a saúde ou o apoio social. O reforço de competências dos municípios constitui o reconhecimento político da incapacidade da máquina vertical (ou setorial) de o Estado central assegurar a capilaridade indispensável à prestação do serviço público. No entanto, o Governo, através da Administração Central, não deixa de ser, sempre, o garante de que os cidadãos dispõem de direitos constitucionais iguais, independentemente do local de residência ou trabalho, cumprindo-lhe ainda outras funções de diferente escala territorial. Ou seja, o centralismo entra em falência, mas o Estado não se pode demitir das suas responsabilidades.
Ultrapassar esta situação paradoxal entre nós (a realidade europeia e dos países da OCDE é bastante distinta) pressupõe um modelo de governação “multinível” das políticas públicas, que permita arbitrar desígnios e traduzir objetivos nacionais em estratégias regionais e locais, num quadro de reforçada autonomia e responsabilização. Assim, a concentração de competências sectoriais nas CCDR transforma-as em instituições mais aptas para cumprir a sua missão histórica de desenvolvimento e coordenação regional, indispensável à própria realização dos desígnios do país. (E é já tempo de arrumar de vez as anacrónicas e contraditórias orgânicas distritais.)
A integração de serviços nas CCDR, agora em fase de consolidação, constitui um primeiro passo no sentido de um Estado mais convergente e de confiança. Outros passos se seguirão, forçosa e seguramente, em áreas como a educação, a saúde, a conservação da natureza ou ainda a cultura. Não é mais possível voltar para trás e recriar o passado, com uma administração central distante e desconhecedora para assegurar serviço público de proximidade. Nesta perspetiva mais ampla, o avanço feito corresponde ao copo meio cheio.
Trata-se agora de o próximo Governo colocar as peças certas que faltam no puzzle.