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Pela manhã, acordamos sufocados com os números obscenos dos mortos em Gaza, trazidos pelas notícias. À noite, adormecemos angustiados com a actualização da desumana destruição deste território. Crianças que morrem de fome, que se esvaem nos braços dos pais por falta de água, comida, remédios, socorro humanitário. Estima-se que morram em média 28 crianças por dia, diz-nos o vice-porta-voz da UNICEF. As imagens televisivas reportam-nos o desespero, os escombros, a morte de um povo. É este o dia-a-dia dos palestinianos que choram os seus estropiados, os seus mortos; o desespero de não terem nem comida nem bebida para os seus, que correm risco de vida quando vão em busca de pão ou de água, nos centros de distribuição. Têm de escolher entre morrer de fome, de sede ou de um tiro, um míssil ou uma bomba direccionados à multidão que geme e grita por um precário auxilio alimentar. Gaza é um cemitério ao ar livre com sangue e cinzas dos seus filhos... Entretanto o responsável por esta situação apocalíptica, o primeiro-ministro israelita tenta convencer (se) da justeza, contenção e racionalidade da sua guerra fratricida contra o povo palestiniano, acusando a ONU, centenas de ONG, jornalistas e organizações internacionais, que trabalham heroicamente no terreno, de serem antissemitas. É a defesa de um fraco que sabe que não tem razão, que a verdade cruel e horrenda chegou já à casa de toda a comunidade internacional. Que barbárie é esta, que o Mundo, sobretudo a Europa, com a sua pretendida autoridade moral no que se refere aos direitos humanos, não consegue controlar? A ONU falhou nos princípios que expressou na respectiva Carta. Propunha-se impedir mais genocídios, ocupações brutais de povos independentes por tiranos; manter a paz, a segurança e o bem-estar da humanidade, impedir atrocidades contra homens, mulheres e crianças, afirmar, enfim, a prevalência do direito internacional público. A Europa, liberal e democrática, subscreveu-a. Porque, então, mantém uma atitude titubeante, hesitante, com permanentes concessões ao Governo de Israel? Os palestinianos são seres humanos, com direito à sua terra que nunca abandonaram, à paz e ao bem-estar. Alguém acredita, ainda, no direito de defesa de Israel? Há muito que essa barreira foi ultrapassada por um genocídio de um povo. A força militar de Israel consegue atingir um alvo inimigo dentro de um andar de um prédio em Teerão, mas em Gaza, arrasa hospitais, escolas, centros de apoio humanitário, prédios e centros de culto religioso para abater terroristas. O direito internacional, ancorado por um boicote total e absoluto a Israel, impõe-se, sob pena de soçobrarem todos os princípios humanitários e solidários pelos quais nos orientamos. Como escreveu Manuel Serrano, analista de assuntos europeus e política internacional, “se a Europa não agir, não será apenas a Palestina a ser enterrada – será também aquilo que resta da nossa própria decência”.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.