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Com mais ou menos atenção pública, a tão exigida reforma territorial do Estado prossegue a sua marcha. Visava (e visa) reorganizar um Estado doentiamente centralizado, territorialmente descontextualizado e ausente do “país real”, reforçando as suas dimensões regional e municipal, com base em princípios de equidade e autonomia. O Norte não é o Algarve e as receitas aplicadas num caso não se conformam ao outro.
Depois de o Governo ter aprovado, em março passado, a transformação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em institutos públicos, integrando nestas instituições vários serviços periféricos do Estado, na passada semana o Conselho de Ministros aprovou a extinção da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) e a criação, em seu lugar, de duas novas entidades do Estado Central: uma para a gestão de museus, palácios e monumentos; e outra para a salvaguarda e valorização do património cultural.
A opção de dividir uma superestrutura pesada, quase ingerível, como a DGPC em duas é meritória, sendo bem-vinda para resolver um problema de hiperconcentração institucional. Acontece, porém, que o carácter destas novas instituições não acompanha o desígnio descentralizador e desconcentrador da reforma que precisamos. A sua natureza mantém o centralismo, ou até o agrava, ao absorver parte substancial das competências até aqui confiadas às direções regionais de cultura, com destaque para a gestão dos equipamentos e patrimónios culturais mais relevantes. Os outros, sem critério explícito considerados como menos interessantes, serão transferidos para municípios, muitos dos quais se dizem impreparados para os assumir. Ao conservar ainda um conjunto de pareceres obrigatórios em matéria patrimonial naquelas entidades centrais falha-se a oportunidade de uma atuação regional eficiente, célere e qualificada, como sucede em muitos países europeus.
Ainda que radicando uma destas novas entidades no Porto, o poder de decisão continua a caber à capital: deslocalizar serviços não é desconcentrar poderes e muito menos descentralizá-los porque isso implica proximidade e autonomia dos territórios. No seu conjunto, estas opções traduzem uma recentralização, um reforço do centralismo nas políticas da cultura e do património, deixando às CCDR um conjunto de possibilidades de intervenção aquém das necessidades e com uma anacrónica subserviência às novas entidades criadas.
Os desafios que temos em mãos precisam de instituições regionais fortes. Não devemos amputá-las nem de rodas que as liguem ao solo, nem de asas que as façam voar.
*Presidente da CCDR-N