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As mulheres continuam a apanhar dos homens sem que nada pareça mudar. Ciclicamente, há um sobressalto cívico. Carpimos mágoas, questionamos o sistema e encolhemos os ombros perante a estatística negra. E quase nos esquecemos de que a violência doméstica é um crime público há 25 anos. Chamemos-lhe machismo, conservadorismo ou até marialvismo. Há razões de fundo que fazem com que esta nódoa social esteja impregnada. Começa na educação, continua na consciencialização e na denúncia, e termina na justa punição dos agressores. Ora, não sendo a Justiça a única carrasca, só podemos ficar envergonhados quando concluímos que a moral e os bons costumes continuam a ser aplicados à lei. E que os juízes e procuradores tomam decisões que traduzem “atitudes patriarcais”, privilegiando uma suposta harmonia familiar à proteção das vítimas.
Basta ver como o autarca de Vizela, acusado de violência doméstica sobre a mulher (os registos médicos apensos ao processo referem uma fratura, escoriações e hematomas), viu o caso ser arquivado sem sequer ser ouvido. Victor Hugo Salgado não foi constituído arguido, segundo o procurador do caso, “a fim de se assegurar a paz social e a tranquilidade no seio da família”. Ora, esta forma indireta de legitimar a violência acaba por conspurcar tudo o resto, inclusivamente as consciências das novas gerações, que tendem a normalizar outras expressões de controlo e opressão entre namorados. Não é fácil tirar teias de aranha da cabeça de tanta gente, mas os agentes da Justiça desempenham um papel fundamental como motor da mudança. Não podemos ser brandos com os homens que batem nas mulheres.