Estamos a menos de um par de dias para a decisão nas eleições autárquicas. O que podemos, desde já, retirar deste debate?
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Muito pouco, ou melhor, qualquer coisa que Eça e Ramalho batizavam como uma campanha alegre. Uma campanha onde todos os candidatos recorrem muito a um ambiente de festa e de fáceis promessas.
Estou convicto de que estas talvez sejam as últimas eleições autárquicas neste figurino.
De um lado, uma Direita perfeitamente suicidária a procurar, em muitos concelhos, encontrar justificação para segurar clientelas e dividir eleitorado. À Esquerda, a tentativa de fazerem alianças em Lisboa e disputas ferozes em Almada, do outro lado da ponte.
Ainda podemos ver o secretário-geral do PS, uma verdadeira ramalhal figura, a deitar mão da sua bazuca, que é o PRR, como uma solução milagrosa para todos os nossos problemas. Ao mesmo tempo, o PSD tem vindo a alienar o voto urbano nas grandes áreas metropolitanas.
Nesta forma, em que todos prometem o impossível e tentam manter o país adormecido, vamos esquecendo temas como a necessária internacionalização das áreas metropolitanas, a captação de investimento privado, o afirmar de emprego qualificado e a necessária correção do mercado imobiliário.
Para isso esquecem completamente a urgência de uma política de rendimentos, que permita criar riqueza e realizar o elevador social, consolidando uma classe média que está aceleradamente a desaparecer.
Na noite das eleições todos vão ganhar. Todos vão dizer que ganharam, ao mesmo tempo que outros vão apelar ao esclarecimento das derrotas junto dos seus eleitorados.
A necessária exigência dos eleitores poderá ser mais consequente quando, em 2025, existir a oportunidade de substituir, por limite de mandatos, muitos destes autarcas.
Até lá a temática da regionalização terá de voltar à agenda política para deixar os portugueses escolher um novo modelo de organização do Estado. Não para fazer pequenos Terreiros do Paço, mas antes para obrigar a realizar as reformas que a administração pública, a todos os níveis, precisa.
Os constituintes, em 1976, idealizaram a regionalização como um novo modelo de diálogo entre as populações e a administração. Todos sabemos que não será fácil porque a administração central só abdica das competências mais operativas e mesmo a administração local esquece a necessária escala que a economia reclama.
O desafio irá implicar que a sociedade civil seja o motor deste debate, fazendo a classe política participar no mesmo. Não na dicotomia a favor ou contra, mas antes compreendendo que muitos dos nossos cidadãos se deslocam para o litoral porque os seus territórios já não conhecem a palavra esperança.
*Professor universitário de Ciência Política