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O centro está tão à direita que isto está prestes a tombar. Mesmo que tenhamos um Governo PSD-CDS, no debate, a extrema-direita ganhou. Isto porque não só os partidos do Governo se aproximam da sua agenda, como os restantes, empurrados pelos média, são obrigados a posicionar-se sobre os temas que esta impõe. Só isto explica que, num dos países mais seguros do Mundo e que precisa de imigrantes, estejamos há meses a discutir insegurança e o controlo da imigração.
Montenegro exibe a musculatura sempre que pode e agora até o líder do PS vem defender o respeito pela cultura portuguesa. Os jornalistas são incapazes de fazer uma entrevista, seja a que político for, sem fazer perguntas sobre o Chega e até na política autárquica é uma evidência que andamos a reboque da sua agenda, com Moedas a surfar na onda da sensação de insegurança.
Depois dos debates “ad nauseum” sobre as eventuais coligações pré e pós-eleitorais com o Chega, passámos à discussão da inexistente associação da imigração à criminalidade, para mais recentemente, perante umas sondagens prematuras e sem candidatos definidos, andarmos a conjeturar até ao infinito a possível passagem de Ventura à segunda volta das presidenciais.
Com a polémica das malas roubadas pelo meio, a verdade é que bem ou mal, direta ou indiretamente, só se fala do Chega ou sobre o que o Chega quer que se fale, enquanto se vão naturalizando opiniões e questões que, até há poucos anos, seriam inaceitáveis no espaço democrático. Ora, com tantos canais de informação e tantos comentadores a encher chouriços dia e noite, a omnipresença de André Ventura e da sua agenda é superior à presença mediática de qualquer outra figura, incluindo o primeiro-ministro e o presidente da República.
Nas últimas décadas, o diapasão dos valores e a linha que traçava a mediana do panorama político nacional foram sendo puxados para a direita, mas em poucos anos, com a presença constante do líder da extrema-direita e seu espalhafato televisivo (tão atraente para as audiências), houve uma banalização e dessensibilização tal, que o enviesamento extremou-se. Estudos mostram que os comentadores de esquerda têm menos representatividade, o discurso da “bolha” jornalística televisiva foi-se uniformizando cada vez mais, o centro foi deslizando para a direita e temo que, estando tudo a orbitar em volta do Chega, isto se agrave irremediavelmente.
Basta ir ouvir um discurso de Sá Carneiro para perceber o quão distante estamos do que outrora chamámos “centro-direita”. Não é à toa que, neste ambiente, qualquer pessoa de esquerda seja chamada de radical e que isso também esteja em processo de normalização televisiva.