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Que o Porto precisa de mais espaços verdes toda a gente sabe, mas talvez só quem tem filhos repare que precisa de muito mais espaços para brincar e não falo apenas de parques infantis (que são, de facto, muito poucos e, na maioria, muito desinteressantes), mas também de espaços apropriados à (segura e lúdica) circulação de crianças na cidade: passeios largos, ciclovias, espaços de encontro nas imediações das escolas, ruas pedonais e condições para que os trajetos casa-escola sejam menos contaminados, perigosos e stressantes.
Das cidades do país, o Porto foi a que teve mais agravamento de trânsito nos últimos anos (dados da INRIX), a velocidade dos autocarros está em mínimos históricos (mesmo nas faixas BUS), no ano passado os portuenses perderam cerca de 36 horas de vida em engarrafamentos, mais de metade das crianças fazem o trajeto casa-escola de carro e, posto isto, mesmo não havendo dados para o Porto no ranking da mobilidade urbana das crianças, estando Lisboa muito mal posicionada, não temos razões para presumir que a segunda cidade do país tivesse classificação muito diferente.
Perante este descalabro, vários cidadãos se têm mobilizado nos últimos anos, organizando bicicletadas, fazendo petições por mais parques infantis, exigindo políticas urbanas que contribuam para a descarbonização e para a pedonalização de ruas. Nessa linha, nos últimos meses, na freguesia do Bonfim, nasceu a "Serpentina", uma iniciativa integrada na Bienal de Design do Porto que visa, num primeiro momento, transformar o parque infantil do Largo Soares dos Reis, para depois tentar revolucionar a circulação nas imediações, tornando o bairro mais verde e amigo das famílias.
O que é interessante neste projeto é que é totalmente orientado pela vontade popular, porque está a ser desenhado em assembleias participativas, em que as sugestões de todos (incluindo das crianças) são angariadas, num processo coletivo de design. Ora, isso é bonito, porque a cidade precisa de espírito comunitário e de participação cidadã, tanto quanto necessita de espaços verdes e lúdicos. E se um parque infantil, um banco de jardim, uma praça bonita e uma rua sem carros, têm o poder de criar encontros, de estimular o espírito de pertença e estreitar os laços comunitários, enquanto conquista coletiva, o poder sai reforçado, assim como o potencial de transformação do bairro e, com ele, da forma de fazer cidade. Houvessem mais Serpentinas, no Carvalhido, na Ramada Alta, na Boavista, no Campo Alegre, em Ramalde, em Campanhã e por toda a cidade, além de uma governança urbana realmente virada para as pessoas e não para os carros, e certamente teríamos uma cidade com a qualidade de vida que neste momento está longe de ter.