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O discurso do Papa Francisco, feito na quarta-feira, no evento designado “Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático” é um notável discurso político e uma extraordinária peça de oratória, que ajuda a entender melhor “o sentido da vida no Mundo” e caminhos sugeridos. Das suas homilias e mensagens nesta Jornada Mundial da Juventude 2023, que ainda decorre, surgirão desafios mais dirigidas aos jovens, a questões da espiritualidade e da evangelização, à sua Igreja e aos que nela detêm o poder e “por vezes passam mau testemunho”, como lembrou na homilia do Mosteiro dos Jerónimos.
Francisco é, sem qualquer idolatria, uma das vozes mais realistas e corajosas na reflexão sobre os desafios que se colocam aos seres humanos, à sociedade. A partir da constatação de que todos sabemos que estamos “diante de problemas comuns”, contudo divididos e polarizados perante injustiças, desigualdades profundas, guerras e crises ambientais e outras, o Papa interroga-nos sobre para onde navegamos. Europa, que não estás a ser “construtora de pontes e pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”... “para onde navegas?”. “Que rota segues Ocidente?”.
O Papa diz-nos que é necessária “uma Europa que inclua povos e pessoas, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas” e que é indispensável a “boa política” sustentada na efetiva busca da paz, em exigências de “multilateralismo amplo”, universalismo, humanismo, promoção de “alianças intergeracionais”, de “proximidades” que a técnica, a erosão de valores e a economia dominante vêm matando.
A “boa política” de Francisco coloca o trabalho no centro e afirma que o “verdadeiro capital humano é a educação, a saúde, o Estado social”, não são seres humanos transformados em máquinas. Não há imperativos da sofisticação da “máquina” pertença de alguns. Fazer boa política exige mudanças, transformações que se consubstanciam em autêntica “revolução”.
O próximo Sínodo foi preparado por Francisco, todavia, no futuro, no mínimo, surgirão dinâmicas diferentes. É obrigatório observar atentamente o que foi a preparação da Jornada, desde logo em Portugal. Refletir sobre as atitudes e anseios desta juventude, vivendo uma banhada de emoções, desde logo pelo carinho que tem pelo Papa, pelas partilhas que fazem, pelos encontros e convívio entre culturas e em muitos, pela sua inequívoca fé. A juventude é portadora de um grande potencial transformador.
Entretanto, há que olhar à volta e ver que a maior parte da juventude que mais sofre não está nesta Jornada, porque não tem condições para estar. As expressões negativas do negócio marcaram presença e os seus impactos no custo da habitação e nas condições de vida podem ser significativos. A sociedade do marketing e dos grandes espetáculos - disto a Igreja portuguesa mostrou saber muito - marcou presença. Vai ser precisa, ainda, uma análise sólida sobre gastos, sua origem e beneficiários. Sem que tudo isto ponha em causa o grande valor da Jornada.
Só existirão grandes transformações se a preparação foi boa e se tiver continuidade. O enfoque está colocado numa espiritualidade de conservadorismo religioso e fechamento em cultos, ou na preparação dos jovens para intervirem organizados na vida da Escola, na defesa do Estado social, do Serviço Nacional de Saúde, da cultura e das artes, no mundo do trabalho com consciência dos seus direitos e deveres?
Para Francisco, esta segunda via é a da esperança, a das novas rotas.