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Nem as temperaturas de veraneio nem a balsâmica presença do Papa na bem-sucedida Jornada Mundial da Juventude têm refreado manifestações de perplexidade e contestação de muitos profissionais à reforma em curso do setor dos museus, monumentos do Estado e do património cultural.
Em termos simples, esta reforma cria duas instituições do Estado central - uma entidade pública empresarial para os museus e monumentos e um instituto público para o património cultural - ao mesmo tempo que extingue as direções regionais de Cultura (DRC), dispersando as suas competências e estruturas por aqueles organismos e pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regionais (CCDR).
Essa dissolução empurra (“descentraliza”) para os municípios museus e monumentos regionais sem aparente interesse para o Estado central, como o D. Diogo de Sousa e os Biscainhos, em Braga; o Abade Baçal, em Bragança; e o Terras de Miranda, em Miranda do Douro (abrangendo ainda Vimioso e Mogadouro), enquanto “nacionaliza” a gestão de outros, como o Paço dos Duques de Bragança ou o Museu de Lamego. A opção tem suscitado incompreensão e até consternação em autarcas, dirigentes e académicos, uma vez tratar-se de museus e monumentos de vocação regional e provas de boa gestão.
De facto, as DRC, criadas há cerca de 20 anos, são um dos poucos casos recentes de sucesso no reforço territorial do Estado. Uma estrutura técnica relativamente robusta e um naipe de responsabilidades abrangente - no património cultural, em museus e monumentos ou na produção artística e promoção cultural - permitiram um salto qualitativo consensualmente reconhecido (especialmente, a Norte) na ação do Estado.
Por esse motivo, a integração das DRC nas CCDR deveria ter como pressuposto e objetivo o respeito por essa experiência bem-sucedida e pela integridade daquelas competências. Ao subtrair às CCDR competências e meios daquelas direções regionais ou ao diminuir o espetro da sua intervenção no património, desfere-se um rude golpe sobre a boa experiência adquirida, esvaziando-se o escalão regional da cultura e pulverizando a atuação dos poderes públicos.
A perder ficarão, inevitavelmente, os patrimónios e equipamentos culturais mais frágeis ou distantes do centro de decisão ou aqueles que, qual enclave, são enjeitados pelo poder central, sem se conformarem ao perímetro municipal. A perder ficará ainda uma abordagem de gestão integrada de espaços culturais e de programação, que foi possível ensaiar nas regiões nos últimos anos. Mas acima de tudo e já a curto prazo, perderá o país como um todo.