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Os doutoramentos Honoris Causa são iniciativas académicas de especial simbolismo para reconhecer o mérito de personalidades que se distinguem na vida pública, política, económica ou social. Este ano, o Conselho Científico da minha universidade decidiu a atribuição do Doutoramento Honoris Causa a duas personalidades: Pedro Pires, ex-presidente da República de Cabo Verde, e Manuela Veloso, investigadora da área da inteligência artificial.
São personalidades muito diferentes, mas que têm muito em comum. Têm em comum vidas de compromisso. Num caso, o compromisso com a independência, a democratização e a modernização do seu país. No outro, uma vida de compromisso com a ciência, a produção de conhecimento e a formação de novas gerações de cientistas. A concretização de tais compromissos tão distintos é tributária, desde logo, do regime democrático que teve o seu momento “inicial, inteiro e limpo” em 25 de Abril de 1974. Pedro Pires e Manuela Veloso são personalidades que têm ainda em comum terem derrubado muros, terem transposto fronteiras, terem alcançado metas impossíveis. O nosso historiador José Mattoso diria que “levantaram o céu”, ou seja, deram os primeiros passos e prosseguiram, com sabedoria, a construção de obras tão grandiosas que ligam a terra ao céu.
O reconhecimento do seu percurso, da sua dedicação à construção do bem comum, baseada nos valores da liberdade, do humanismo e do cosmopolitismo é hoje ainda mais importante. O momento que vivemos é de dúvida e de desesperança: a guerra na Ucrânia e a ameaça de destruição, por dentro, dos regimes democráticos na Europa; a violência e a desumanidade dos atos praticados, na guerra entre o Governo de Israel e o Hamas, espalhando o medo e a destruição, em particular na faixa de Gaza. As guerras destroem vidas humanas, cidades inteiras, infraestruturas, e também instituições, como as universidades, que demoram décadas a construir. Tudo pode desaparecer num curto lapso de tempo.
Estamos longe destes territórios, mas também por isso é maior a responsabilidade de preservar e fortalecer as instituições que recebemos como herança de gerações anteriores.
Sabemos que o futuro está nas nossas mãos e será o que formos capazes de construir. Como sabemos, ainda, que os valores da construção do bem comum baseado na liberdade, no humanismo e no cosmopolitismo, que guiaram as vidas do presidente Pedro Pires e da professora Manuela Veloso, são a parte da memória que devemos prolongar.