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O tema da falta de médicos é diferente do da falta de professores. Desde logo porque não temos um diagnóstico das necessidades de formação envolvendo os ministérios com a tutela da saúde e do ensino superior. Na segunda metade dos anos 90, o número de vagas e de diplomados em medicina tinha atingido valores que colocavam em risco a sustentabilidade do SNS. Com base num estudo então realizado, foram criados novos cursos de medicina nas universidades do Minho, da Beira Interior e do Algarve, e cursos preparatórios de medicina nas universidades da Madeira e dos Açores. O número de vagas cresceu e a oferta estabilizou em cerca de 1800 diplomados por ano.
Os principais responsáveis pela formação de médicos, ou seus representantes, como as faculdades de medicina, os sindicatos e a Ordem dos Médicos, são unânimes em considerar que não há falta de médicos em Portugal. O indicador usado na argumentação é o número de médicos por cem mil habitantes. E, de facto, neste indicador Portugal apresenta-se como um dos países em melhor posição relativa: 532 médicos por 100 mil habitantes, enquanto a média nos países da União Europeia é de 387 médicos.
Que se passa então? Porque existe uma perceção generalizada de que há falta de médicos em Portugal? Porque somos confrontados com o encerramento de serviços hospitalares por falta de médicos de determinadas especialidades? Há fuga de médicos do setor público para o privado? Precisamos de mais vagas ou de novos cursos iniciais de medicina?
Em final de 2018, foi divulgado um estudo, e promovido um debate, por Alberto Amaral, com o título "Há falta de médicos em Portugal?". As questões críticas estão aí identificadas. Há um problema de articulação entre formação inicial e formação em internato e nas especialidades, sendo em alguns casos insuficientes as vagas abertas na formação complementar, como são insuficientes os recursos qualificados para assegurar essa mesma formação. Há problemas na distribuição regional dos médicos, na gestão das carreiras e nas condições de trabalho das equipas. E, finalmente, há um problema com a definição dos atos reservados aos médicos e na partilha de responsabilidades e funções entre estes e outros profissionais de saúde, designadamente os enfermeiros.
O futuro próximo será de maior procura de cuidados de saúde, seja por episódios pandémicos como o da covid, seja pelo contínuo envelhecimento da população. Neste quadro, os problemas citados tenderão a agravar-se e não se resolverão, simplesmente, com mais vagas ou com novos cursos de formação inicial.
*Professora universitária