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Não bastava a ordem internacional estar a atravessar um período bastante conturbado, onde a palavra que me salta em primeiro lugar é imprevisibilidade, também no contexto nacional fomos agora brindados com uma crise que, para a esmagadora maioria, é inesperada e completamente dispensável.
São tempos estranhos estes que estamos a viver e porventura premonitórios de que algo de profundo estará para mudar a nível global e, também, ao nível mais doméstico.
Disto, a única certeza que tenho é que não adianta ficar especado a olhar para o umbigo: há que ir em frente e, na medida do possível, abordar o assunto pelo lado da oportunidade. E assim, o contexto e o clima da campanha eleitoral, que já começou, podem ser aproveitados para identificar onde estão os grandes consensos, ou quais são os temas por que, pela sua relevância estratégica e capacidade de retorno para o nosso bem-estar coletivo, vale a pena lutar.
A saúde é um bom caso de estudo porque em cima de uma crise que já vem detrás e a que, manifestamente, não estamos a conseguir responder, junta-se este turbilhão da quebra de um ciclo governamental, com todas as consequências negativas que as descontinuidades na liderança e na ação sempre acarretam, aqui amplificadas pela sensibilidade do setor e pela fragilidade de boa parte dos processos e procedimentos em que está estruturado o sistema nacional da saúde.
O ponto fundamental e estrutural será o de conseguirmos que seja amplamente assumido que os desafios atuais, e os que estão pela frente, exigem um esforço de concertação sobre o essencial que, julgo, se estrutura, pelo menos, em três grandes domínios:
- Capacidade de atrair e reter recursos humanos qualificados:
Parece inevitável implementar no Serviço Nacional da Saúde (SNS) as mais modernas abordagens no que diz respeito à maximização do potencial da sua força laboral, o que envolve passar a oferecer condições competitivas, designadamente ao nível das remunerações, assumindo, se assim for necessário, um quadro de excecionalidade face ao que é a regra da função pública.
- Melhoria da gestão num posicionamento orientado ao cidadão e cliente:
É cada vez mais difícil aceitar que se mantenha a dicotomia entre gestão pública e gestão privada, em vez de entre má e boa gestão, devendo desejavelmente esta última ser a única opção, também no SNS. Não pode continuar a faltar a coragem e as condições, a quem pode decidir, para que termine o desperdício de enormes recursos financeiros de todos nós, só porque as mais modernas e eficazes ferramentas e abordagens de gestão, obrigatoriamente orientadas aos resultados e ao cliente, não estão ao alcance dos gestores dos nossos hospitais. Se é necessário alterar enquadramentos legais, pois que se alterem!
- Estratégia para a transformação digital da saúde:
Não é, por fim, aceitável que persista a preocupante ausência de uma estratégia nacional - clara, consensual e exequível - para a transformação digital da saúde, que possa guiar e orientar as diferentes iniciativas neste domínio dos principais agentes, a começar pelo estado.
No que à saúde diz respeito, a tarefa, que a todos convoca, é pedirmos aos diferentes candidatos a estarem à frente dos nossos destinos que se pronunciem, pelo menos, sobre estes pontos. Que bom que era não termos surpresas!