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A promoção das eleições foi alimentada por três ideias que, conhecidos os resultados, se revelaram erradas.
Primeira ideia errada: estas eleições abririam espaço à alternância democrática. Haveria uma clarificação e a entrada num novo ciclo político favorável ao PSD, ou à Direita democrática. No entanto, a diferença de deputados eleitos e de votos entre o PS (28,7%) e a AD (29,5%) foi mínima. Aliás, a AD teve agora um resultado pior do que em 2022, quando obteve 30,9% dos votos. Leio nos resultados obtidos pela maioria dos partidos o desejo de manutenção do essencial do Estado social e de políticas de aumento de salários e pensões. Estas foram as promessas mais fortes e comuns, embora com diferenças sobre o modo de as cumprir.
Segunda ideia errada: estas eleições justificavam-se porque os cidadãos ansiavam por mudança, cansados dos governos do PS. O PSD protagonizaria essa mudança, arrastando consigo o CDS e a IL. No programa da AD, como no da IL, que em conjunto obtiveram 34,6% dos votos, a principal mudança estava centrada na política de impostos, que contrastava com as propostas do PS, Livre, BE, PAN e PCP (41,7%, no conjunto). Nesta matéria, os resultados são inequívocos, não revelando a suposta vontade de mudança.
Leio nos resultados não uma vontade de mudança, mas uma vontade de protesto, a expressão de frustração e de descrença em relação ao futuro, que se traduziu numa votação expressiva na extrema-direita. O Chega apresentou respostas simples, diretas e eficazes para os cidadãos que se sentem excluídos e esquecidos. O Chega apresentou respostas, mas não propôs soluções com sentido, nomeadamente para problemas que o alimentam, como a desigualdade e a exclusão. O Chega é um discurso e uma forma: o discurso é uma amálgama de ideias antiqualquer coisa, sem preocupações de coerência. A forma é direta, agressiva, antiliberal, antidemocrática, radical e malcriada.
Terceira ideia errada: nestas eleições estava sobreavaliado o crescimento do Chega, partido que muitos teimavam em tratar como fenómeno conjuntural. O crescimento do Chega foi visível desde a eleição de 2019 para a Presidência. Porém, apesar de alguns estudos e alertas, a consciência do risco apenas começou depois das primeiras sondagens, que anunciavam intenções de voto próximas das que foram confirmadas.
Fica a questão mais importante: como vai a democracia, baseada nos valores da liberdade, da igualdade e do pluralismo, apoiada por mais de 80% dos eleitores, sobreviver a esta força bruta que apela ao que há de pior na natureza humana?