Tempos houve em que este era um tema controverso porque muitos consideravam que estávamos perante uma espécie de cavalos de Troia colocados nos hospitais pelas grandes casas farmacêuticas como forma de melhor introduzir os seus produtos.
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Hoje tal não acontece e é muito grande o consenso quanto às vantagens para um hospital, para uma região e para um país, em poder ter uma atividade bem-sucedida neste domínio.
Com efeito, a realização de ensaios clínicos induz nas unidades de saúde práticas de rigor e formalismo que se traduzem em ganhos que vão muito para além dos doentes diretamente envolvidos, os quais têm, por esta via, acesso a opções terapêuticas inovadoras que em certos casos constituem, dramaticamente, uma última esperança.
Além disso, valorizam e completam o ciclo da inovação, estimulam e melhoram a motivação e o desempenho dos profissionais, são uma importante fonte de rendimento para as unidades de saúde, e contribuem decisivamente para um clima de atratividade ao investimento estrangeiro na saúde.
Em última análise, marcam uma linha entre os ecossistemas de saúde da primeira divisão e os outros.
Tome-se o exemplo próximo de Espanha e muito em particular da Catalunha, que perceberam isso e, há cerca de uma década, tiveram a coragem e a lucidez para fazerem as reformas e tomarem as decisões necessárias que os coloca hoje como referência mundial, com as vantagens acima descritas, onde elenco em primeiro lugar os benefícios para os seus doentes.
Por cá, nestes últimos dez anos, como infelizmente é usual, perdemo-nos, dispersamo-nos e fomos adiando. Adiando reformas que é necessário levar a cabo, que estão bem identificadas, são largamente consensuais, são simples e cirúrgicas, e não custam dinheiro. São elas: a) permitir a autonomização dos centros de investigação clínica - para lhes dar capacidade e agilidade de resposta, em especial na contratação de recursos humanos; b) incluir a investigação clínica nos contratos-programa das unidades de saúde do SNS - para assegurar as necessárias compensações financeiras; c) organizar a oferta nacional num balcão único - para uma resposta eficiente e com escala à indústria farmacêutica global.
Acresce que, em termos de impacto económico, a concretização destas medidas poderia, em meia dúzia de anos, gerar retornos superiores a 400 milhões de euros anuais.
Quero crer que os astros começam agora a parecer alinhados para que, finalmente, os que podem sobre estes assuntos decidir e agir o façam no curto prazo.
Enquanto alguém que ao longo da última década, de forma modesta mas militante, integrou no âmbito do Health Cluster Portugal o pequeno núcleo dos que têm procurado fazer com que as coisas aconteçam nesta área, julgo-me com legitimidade para, num misto de desespero e esperança, gritar a interrogação: é mesmo agora?
*Diretor-executivo do Health Cluster Portugal

