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Na semana passada foi divulgado o relatório da comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão da TAP. O relatório começou por ser uma surpresa para toda a comunidade política e, para os portugueses em geral, que acompanharam, através dos média, os trabalhos da mesma comissão.
Afinal, aquilo que parecia ser uma dificuldade para alguns membros do Governo acabou por se transformar num processo de tentar encontrar um culpado, ainda que numa outra dimensão que não a política.
Podemos dizer que o relatório, entre a ficção e a realidade, optou pela ficção. Uma ficção que surpreende os próprios envolvidos, isto porque uma das motivações da Comissão parecia ser também atingir alguns ministros ou antigos ministros.
O texto do relatório acaba, assim, por evidenciar uma narrativa que não pode deixar de preocupar aqueles que todos os dias vão trabalhar, vão produzir e depois são consumidores, utilizadores de serviços públicos e os eleitores que fazem as escolhas de quem vai ser Governo. Reside aqui a preocupação do primeiro-ministro quando diz que os portugueses não se importam, em 15 meses, com a saída de 13 membros do Governo. Acaba por ser esta a narrativa que ajuda a construir uma ficção que nada tem a ver com a narrativa da realidade. Com efeito, os portugueses que estão a suportar o Estado social não compreendem porque é que Portugal é o país com maior cobertura de seguros de saúde privados e onde as escolas privadas estão a desenvolver-se a um ritmo e de uma forma inédita.
Esta dicotomia tem tendência para se aprofundar e, cada vez mais, vemos um país mais desigual na distribuição dos rendimentos. Desde logo desenvolvendo baixos salários, levando os jovens a emigrar em consequência e pessoas com outras qualificações a imigrar para quem o nosso salário mínimo se apresenta ainda como aceitável.
Torna-se necessário encontrar um desígnio mobilizador para dar um sentido aos projetos criadores de riqueza e multiplicadores de rendimento para os trabalhadores.
Esta leitura assente numa narrativa de ficção acaba por condicionar os portugueses na escolha a fazer. O ministro da Cultura evidenciou, na sua avaliação dos trabalhos da comissão, que preferia uma outra narrativa. O presidente da CPI esteve bem quando manifestou uma opinião de salvaguarda da dignidade das instituições. O que ressalva desta situação é que os portugueses desejam políticas públicas que resolvam os problemas reais da sua vida. Querem saber como se vai dar resposta às condições originárias nas altas taxas do BCE, na guerra ou nas alterações climáticas. Esta é uma narrativa da realidade. Aquela que preocupa os portugueses no seu quotidiano: satisfazer o bem-estar com um rendimento digno.