Nos últimos tempos há quem afirme que existe uma "guerra" entre dois palácios: S. Bento e Belém. Num reside o poder executivo, estando ao seu lado o poder legislativo, noutro mora o poder moderador.
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A diferença entre os dois palácios assentará num quadro de uma nova conflitualidade que deixa o cidadão, o nosso eleitor comum, confuso e preocupado sobre a necessária estabilidade que país precisa e exige.
Depois de um período de governação onde as reformas se atrasaram, o Governo passou de uma maioria de Esquerda no Parlamento, a que se chamou geringonça pois não dependia só do PS, para uma maioria absoluta.
Ao mesmo tempo pode contar com o poder de influência do presidente da República para dizer ao país que tudo estava a correr bem. Ultrapassada a fase da pandemia veio a chegada da guerra e, com ela, a inflação e uma disfarçada crise económica. Só que, a partir daqui, o presidente decidiu abusar da influência do poder da sua palavra transformando a mesma, devido a um uso casuístico, através de um comentário permanente que sofreu a inevitável erosão da espuma dos dias.
Aqui chegados entramos na fase de interferência presidencial onde se pensou que poderia ter capacidade para alterar, por exemplo, a composição do Governo ou mesmo as suas políticas, como tentou no caso dos professores. Ao recusar esta possibilidade, o primeiro-ministro, segundo alguns autores, teria contribuído para uma alteração dos poderes presidenciais, no sentido da sua redução, no quadro da nossa Constituição.
Estou convicto que o melhor reflexo desta confusão não deixa de ser o presidente aparecer, como testemunha do primeiro-ministro, contra um antigo governador do Banco de Portugal.
Estarão os palácios a mexer nos poderes constitucionalmente previstos? A geometria variável do nosso sistema político mostra, mais uma vez, a plasticidade dos poderes e a importância do seu uso de acordo com o perfil presidencial. Vamos no quinto presidente da República. Apesar do perfil militar do primeiro presidente, temos dois oriundos de uma família de Esquerda e dois outros vindos do espaço à Direita. Qualquer um deles utilizou o seu poder de dissolução da Assembleia da República, mas o Parlamento também soube mostrar que não aceitava governos de iniciativa presidencial.
A relação do presidente com o primeiro-ministro, provavelmente, não vai sofrer grandes alterações no seu equilíbrio porque a dinâmica institucional evolui à maneira que os factos políticos se vão sucedendo. O futuro, esse, fica à espera da próxima eleição.
*Professor universitário de Ciência Política