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O Banco de Portugal revelou há dias indicadores muito eloquentes do centralismo endémico nacional. Um centralismo instalado, normalizado, silencioso, amoral, que atua sem consciência da sua própria doença. Dizem esses indicadores respeito ao investimento direto estrangeiro realizado em Portugal ao longo dos últimos anos.
Através daquele relatório, ficámos a saber que este investimento ascendeu a 180 mil milhões de euros (mais um terço do que no início do período analisado, 2017) e que a região da capital absorveu, números redondos, quase 60% desse valor (isto é, mais de 103 mil milhões de euros). Estranha e paradoxalmente, o Norte - a região mais industrializada, mais exportadora e mais populosa de Portugal - fica-se por menos de 30 mil milhões de euros, isto é, menos de 17% do total nacional e menos de um terço do valor arrecadado pela região da capital.
Olhando mais uma vez para os números, ficámos também a saber que, entre 2017 e 2023, a proporção de investimento direto estrangeiro na região da capital aumentou de 55% para 57%, enquanto no Norte essa proporção aumentou pouco mais de metade, confirmando que a falta de coesão territorial e as assimetrias de riqueza e qualidade de vida tenderão a agravar-se em Portugal. De resto, outras regiões viram mesmo quebrar o investimento estrangeiro recebido, apesar do contexto geral de crescimento.
Os investimentos estrangeiros não são decididos por mecanismos de sorte e azar: são objeto de estudo, negociação, orientação, aconselhamento e aprovação por parte de agências e outras instituições do Estado. Instituições que teriam o dever de interpretar e assumir o seu estatuto nacional, quebrando as lógicas perversas do secular centralismo português e rejeitando pseudorrácios de competitividade. Esse centralismo é a doença capital do nosso modelo de desenvolvimento e governação.
Em raciocínios abstratos talvez pareça que todo um país possa ser viável nessa longa e infrutífera espera do efeito mágico da irradiação napoleónica da capitalidade, mas isso não passa de uma mentira, demonstrada todos os dias. Pelas mesmas razões, há ainda quem acredite que a capacidade de pensar, aconselhar ou decidir investimentos no país é apenas possível nos círculos tradicionais do poder, desconhecendo e ignorando o país real e comprometendo o futuro de todos.
No seu deslumbramento diante do espelho, todo o narcisismo é perdulário.