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Luís Montenegro é um homem experimentado, que junta saber jurídico à capacidade política, e por isso se torna ainda mais incompreensível a forma ingénua como acreditou que ia conseguir sair com graciosidade do colete de forças em que se aprisionou. Que tudo ia ser levado pelo vento, que o país acharia normal haver um primeiro-ministro com uma empresa familiar que recebe avenças mensais de firmas que negociam com o Estado. A transparência não substitui a exigência. Muito menos a clarividência. E neste caso houve uma gritante falta de discernimento do chefe do Governo, que devia, em devido tempo, ter matado o mal pela raiz, afastando-se totalmente da atividade da Spinumviva, a empresa agora detida pela mulher e pelos filhos. Essa é, de resto, uma das saídas possíveis, quando hoje se dirigir ao país, após ter convocado um Conselho de Ministros que lhe concede tempo e respaldo institucional. Mas não devemos afastar a possibilidade de Montenegro ensaiar uma fuga para a frente, avançando com uma moção de confiança e forçando o PS a derrubar o Executivo.
Num elenco com vários ministros vulneráveis, poucos arriscariam dizer que o maior problema do Governo seria o primeiro-ministro, mas esse é o ponto em que estamos. Em poucos dias, o capital conquistado por Montenegro (era, há um mês, o político mais popular do país, à frente de Marcelo) esboroou-se, contaminando todo o ecossistema. Até o PS, que não morria de amores pela ideia de eleições antecipadas, já não coloca de parte esse cenário. Veremos o que diz o presidente da República.
Em política, poucas esponjas são capazes de apagar o passado. Não se pede a um primeiro-ministro que renegue o que está para trás, mas o mínimo que se espera de quem lidera um país é que, a partir do momento em que aceita o cargo, não deixe espaço para suspeições.