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Pela segunda vez em dois meses, o julgamento do processo Vórtex, que envolve dois ex-presidentes da Câmara de Espinho, teve de ser adiado porque não havia carrinha celular para transportar um dos detidos entre o estabelecimento prisional e a sala do tribunal. Por duas vezes se preparou a “máquina”, por duas vezes se reservou o dia para tratar do expediente e das audições, por duas vezes se mobilizaram pessoas e meios. E por duas vezes se andou a perder tempo e a gastar dinheiro dos contribuintes. O detido foi o mesmo: Paulo Malafaia, que em ambas as situações se recusou a ser ouvido por videoconferência, alegando más condições técnicas. Mas este, infelizmente, não é caso único. No passado recente, vários julgamentos e interrogatórios foram adiados pelas mesmas razões.
As maiores falhas da Justiça estão longe de estar relacionadas com meios de transporte e com a falta de guardas prisionais para escoltar os detidos. Mas quando chegamos a um ponto em que o sistema é incapaz de transportar um preso, num trajeto de pouco mais de 28 quilómetros (entre o Estabelecimento Prisional de Custoias e o Tribunal de Espinho), deixamos de estar perante uma caricatura e passamos a lidar com uma debilidade estrutural, assente em anos de desinvestimento e laxismo.
O Governo, o de turno e os outros, respondem como sabem: anunciando reforço de meios. Mas a impressão que fica, neste e noutros episódios risíveis que mancham o sistema prisional, é que nunca serão suficientes. Podemos pugnar por reformas audazes e encher a boca com pactos de regime. Mas se não acautelarmos as condições básicas para pôr a tal “máquina” a funcionar continuaremos a alimentar um “monstro” insaciável. Cuidar dos detalhes dá menos votos e menos títulos nos jornais, mas o princípio de justiça que emana da democracia não se cumpre verdadeiramente sem eles.