Factos, fake news e pós-verdade no jornalismo de guerra
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No livro “Fake history. 101 Things that never happened” (História falsa. 101 coisas que nunca aconteceram), Jo Hedwig Teeuwisse afirma que “fake news about the past is fake history” (notícias falsas sobre o passado são história falsa). A afirmação não podia ser mais acertada e através dela podemos estabelecer a ponte com a atualidade e concluir que “fake news about the present is fake journalism” (notícias falsas sobre o presente são falso jornalismo).
Vem esta reflexão a propósito da cobertura noticiosa das guerras em curso, seja na Ucrânia, seja na Faixa de Gaza. É comum assistirmos a notícias de um determinado acontecimento e, de imediato, sermos confrontados com informação contrária sobre a mesma ocorrência. Foi o que aconteceu, há poucos dias, no bombardeamento do hospital em Gaza.
O facto é que um hospital foi bombardeado. Como? Por quem? Porquê? São perguntas a que é difícil responder com um grau de certeza que satisfaça a nossa curiosidade e não seja mais ruído para a gritaria que é este conflito bélico. Assim, seria avisado que os media não embarcassem tão facilmente na atribuição da autoria do atentado.
Em todas as circunstâncias, é fundamental averiguar, confirmar, antes de avançar com explicações, mas numa guerra essa exigência é um imperativo, porque estão em causa vidas humanas. Numa guerra, não há inocentes. Dos dois lados do conflito, há interesses. Uns legítimos, outros ilegítimos, mas ambos interesses. O que não é aceitável é que o jornalismo seja parte desses interesses.
Ao jornalismo compete informar, com rigor e isenção, pelo que, quando não é conhecida a autoria de um ataque, atentado, bombardeamento, há que dizer isso mesmo, que ainda não se sabe como aconteceu, naquele local, àquela hora, vitimando um número ainda indeterminado de pessoas.
Se assim não for, não estamos no domínio do jornalismo, mas na esfera das fake news propositadamente produzidas para divulgação pelos media e pelas redes sociais. Estamos no domínio da desinformação quando deveríamos estar na esfera da informação. Estamos a ser agentes ativos da propaganda de guerra, em vez de sermos artífices de informação séria. Estamos a dar voz à manipulação dos factos, ao invés de desmascararmos os manipuladores. Esta realidade é tanto mais grave quanto sabemos que se adensam ódios devido a fake news e morrem pessoas em consequência da desinformação, da manipulação e da propaganda.
Numa guerra reina o ódio. É assim entre a Ucrânia e a Rússia. É assim entre Israel e o Hamas. É assim em todas as guerras. Porém, o jornalismo não se pode deixar capturar por esse ódio, fundamentalismo, insanidade. O jornalismo tem de combater as fake news, procurando, sem tréguas, a verdade. De contrário, será já o domínio da pós-verdade em que a opinião pública é menos influenciada por factos verdadeiros do que por factos falsificados.
O que aparenta ser verdade não é mais importante do que a verdade, mesmo que apele mais à emoção coletiva, signifique mais audiência ou mais cliques nas redes sociais. Neste jogo de vida e morte que é a guerra, para o jornalismo são os factos que prevalecem e não as versões dos factos.