Um mar negro e uma longa noite de trevas
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Já todos percebemos que a vitória de Donald Trump foi o melhor que podia ter acontecido a Vladimir Putin. Num momento em que a guerra agrava a economia russa e em que as baixas em combate abalam a confiança das famílias dos soldados em Putin, a guerra poderia estar por um fio e a Rússia seria, daqui a pouco tempo, obrigada a recuar. Porém, eis que Trump apareceu, de novo, na cena política mundial e reergueu Putin.
Com o amparo de Trump, Putin ganhou fôlego para prosseguir os seus objetivos iniciais nesta guerra, desde logo a conquista de território à Ucrânia. Depois da Crimeia, em 2014, seguem-se as repúblicas do Donbass com a alegação falaciosa de serem regiões russófonas. Provavelmente, muitos já não se lembram, mas, em 1991, realizou-se um referendo na Ucrânia para saber se os ucranianos queriam ser independentes e 92% dos ucranianos votaram sim. 92%, incluindo os eleitores do Donbass!
Agora, quando as delegações dos dois países em conflito discutem em Riade, na Arábia Saudita, as condições de um cessar-fogo limitado, localizado e imediato, vêm novamente ao de cima as questões territoriais que, obviamente, não são referidas nas reuniões nem nos textos dos acordos. Não é por isso de admirar que Volodymyr Zelenskyy se mostre preocupado com a eventualidade dos EUA e da Rússia estarem a equacionar a divisão do território ucraniano à revelia do Governo de Kiev.
A Ucrânia já está a ser forçada a aceitar um acordo de cessar-fogo que a prejudica em toda a linha e é favorável à Rússia - são levantadas sanções económicas a Rússia; é aberto o espaço de navegação no mar Negro, onde as forças navais russas foram obrigadas a recuar pelas forças navais ucranianas; deixa de ter os prejuízos causados pelos ataques da Ucrânia às infraestruturas petrolíferas, uma das principais fontes de financiamento desta guerra - e ainda se vê obrigada a assistir à partilha do seu território entre Putin e Trump. É de pasmar, de facto.
Portanto, este acordo de cessar-fogo no mar Negro só serve os interesses russos e americanos. De nada serve a Ucrânia, nem a União Europeia, que continua à margem das negociações deste acordo. Se nada alterar no seu comportamento político, a União Europeia vai ser cada vez mais insignificante no contexto geopolítico mundial. Arrisca-se a ruir e, se isso acontecer, será mais que a falência do projeto europeu. Será a ruína do mundo como o conhecemos e o apogeu do autoritarismo e do totalitarismo. Será a história a repetir-se num novo contexto histórico, mas no mesmo espaço geopolítico - a nossa Europa. Que mundo é que vamos deixar às nossas crianças e jovens? Um mar negro e uma longa noite de trevas.