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Volto nesta coluna ao tema da habitação. Portugal é o país da Europa com menor taxa de habitação pública. Apenas 2% da oferta de habitação, um valor muito abaixo do de países como a Dinamarca (20%), Reino Unido (18%) ou França (17%). O esforço de construção de habitação pública, que inclui as residências de estudantes, pode mudar estruturalmente as condições de vida de milhares de portugueses e também as base de desenvolvimento e atração do país.
O país precisa de mais habitação pública. Foi a dimensão do Estado social a que se deu menos atenção nos últimos 50 anos. Fomos acabando com os bairros clandestinos e os bairros de barracas que povoavam a paisagem urbana, substituindo-os, infelizmente, por bairros sociais em lugar de habitação social não segregada. Porém, um programa consistente e determinado de construção de habitação pública, social mas também a preços controlados, apenas foi possível com um instrumento financeiro robusto como o PRR, por decisão do atual Governo.
Muitos se interrogam porque não se decidiu mais cedo, porque se acordou tão tarde?
Vários fatores explicam o atraso. Em primeiro lugar, a conjuntura nos últimos 15 anos, desde 2009/10, esteve pejada de obstáculos: a crise financeira, a crise das dívidas soberanas e a troika (até 2014), a recuperação de rendimentos e da economia (2015 a 2019) e a pandemia da covid-19 (2020 a 2022). Nenhum Governo recente teve condições políticas e financeiras para definir o problema da habitação como prioridade de investimento público. Em segundo lugar, as duas faces do boom do turismo: foi essencial na recuperação económica do país, mas provocou efeitos negativos e perversos no mercado de habitação.
Identificada a urgência de intervir e tomadas decisões importantes, tivemos um longo e destrutivo debate público sobre o programa Mais Habitação. Muitos foram os que se opuseram, exigindo consensos impossíveis de alcançar dada a diversidade de interesses em jogo: inquilinos, proprietários, bancos e investidores. E a discussão continua. Consenso em relação ao problema, mas discussões intermináveis sobre as soluções.
Há, porém, uma questão crítica de resposta urgente. O Estado e vários organismos públicos ou parapúblicos não promovem uma gestão eficaz do seu património. Em alguns casos vivem “sentados” em cima de recursos sem nada fazer nem deixar fazer. Faltam inventários, definições de uso, projetos, capacidade e recursos financeiros para promover a requalificação daquele património. O país precisa também de um programa de “expropriação do Estado”.