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Li algures que, atualmente, mais de dois terços dos produtos que a indústria farmacêutica global leva ao mercado não nasceram nos seus laboratórios de investigação. Resultaram de aquisições, em fases mais ou menos avançadas do ciclo de desenvolvimento, junto de universidades, institutos de investigação ou pequenas empresas de conhecimento intensivo. Nos dispositivos médicos, a situação será semelhante.
Face ao que se verificava há uma ou duas décadas, quando o desenvolvimento era todo, ou quase todo, feito dentro de portas, em ambientes estanques onde o segredo era a alma do negócio, a mudança é profunda e, julgo, no bom sentido, abrindo um mar de oportunidades de que ainda temos alguma dificuldade em antecipar os respetivos impactos.
O crescimento exponencial, em número e diferenciação, das áreas do saber e do conhecimento necessárias ao desenvolvimento de um novo produto, combinado com a consequente dificuldade em assegurar a sustentabilidade económica de todo esse processo em que o risco é uma variável chave, terá estado na base desta evolução que abriu as portas do ecossistema mundial de inovação em saúde a atores e operadores que, até então, lhe estavam distantes.
Trata-se de uma mudança profunda de paradigma, com grandes vantagens para todos, os grandes e os pequenos operadores, e, sobretudo, o consumidor final - o cidadão e o doente -, grande beneficiário de um processo mais eficaz e com melhores resultados.
Esta explosão na procura, conjugada com a massificação, entretanto observada, da oferta, trouxe um novo sentido para a forma de os produtores de conhecimento se organizarem e posicionarem.
Em Portugal, nas últimas duas a três décadas, soubemos, na linha do que se vinha a observar um pouco por toda a Europa, desenvolver um sistema de I&D (investigação & desenvolvimento) de grande qualidade e desempenho, nomeada e particularmente nas áreas relacionadas com a saúde. Temos boas instituições, temos bons cientistas e temos bons resultados, quando esta apreciação é efetuada pela metodologia tradicional: a avaliação, a nível internacional, pelos pares.
O panorama já não é tão risonho, igualmente em sintonia com a tendência que se vai observando na realidade europeia, quando falamos da conversão dos resultados dessa I&D, o conhecimento, em valor, ou seja, em produtos e serviços que respondam competitiva e globalmente às necessidades e exigências do mercado que, no caso da saúde, é o mesmo que dizer do doente/cidadão. Em suma, o ciclo da inovação.
E assim, cavalgando esta abertura crescente por parte dos grandes operadores, mas não só, é, pois, tempo, e porventura já vamos com algum atraso, de os produtores de conhecimento, definitiva e organizadamente, se orientarem ao mercado (o HCP tem vindo a trabalhar o tema em várias frentes, designadamente no âmbito da Agenda Mobilizadora do PRR - Health from Portugal - https:// www.healthfromportugal.pt/pt/). Vejo-o como uma evolução radical e ousada, porventura com novos protagonistas, onde não tem qualquer interesse ou utilidade e, consequentemente, não deve ser incentivado ou apoiado: o que não tem o modelo de negócio pensado e incorporado de raiz, o que não está orientado ao mercado ou o que no final do dia não gera uma fatura.
Ou rapidamente melhoramos na inovação em saúde ou os bons resultados obtidos na I&D não terão servido para nada!