Ideologia e radicalização dos temas da educação
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O primeiro-ministro anunciou a intenção de libertar a disciplina de Educação para a Cidadania de amarras ideológicas. Porém, libertar de ideologia, na ação política, não existe. Em política, a ideologia está sempre presente, traduz uma visão do Mundo, dos problemas e da forma de os resolver. É natural que diferentes governos tenham diferentes orientações ideológicas e que procurem segui-las na sua ação política, substituindo orientações de governos anteriores. Mas tratar-se-á sempre de substituir uma ideologia por outra. Este episódio repete, pois, o mau hábito político de considerar que ideologia são as ideias dos outros e nunca as do próprio.
O primeiro-ministro tem uma visão ideológica sobre a disciplina de Educação para a Cidadania, mas não esclareceu qual é essa visão. Pretende substituir os conteúdos programáticos? Pretende mudar o nome da disciplina? Pretende retirá-la dos currículos? Qual é o problema que pretende resolver? Sobre estas questões não foi apresentada qualquer ideia.
As justificações dadas para a ação ou a decisão política, e os contextos em que as mesmas são anunciadas, dizem muito sobre o modo de fazer política. Permitem distinguir um modo orientado pela batalha ideológica, sem grande especificação, de outro baseado na determinação em resolver problemas claramente identificados, promovendo melhorias negociadas e assegurando alterações incrementais. Neste caso, parece-me que o primeiro-ministro usou um tema da educação apenas como bandeira de combate político-ideológico. É pena que o tenha feito, porque dessa forma radicalizou o debate sobre os temas da educação e não deu qualquer contributo para resolver eventuais problemas.
Algumas matérias das políticas de educação, como os exames, as propinas, ou a educação sexual suscitam muitas vezes debates que não são apenas técnicos, têm subjacentes diferentes visões ideológicas sobre os problemas e sobre os modos de os resolver. Nestes casos, a melhor forma de reduzir a carga ideológica das soluções, de alcançar o necessário equilíbrio e maior neutralidade entre diferentes visões, é construir consensos sobre a natureza dos problemas e das soluções. Consensos baseados em debates serenos, informados e alargados, conseguindo que diferentes partidos políticos prescindam de parte das suas orientações e partilhem soluções negociadas.
Transformar a disciplina de Educação para a Cidadania numa bandeira de combate político-ideológico é mesmo a pior forma de se conseguir criar aqueles consensos e a melhor maneira de radicalizar, ideologicamente, os temas da educação.