O debate sobre o regime de incompatibilidades está na ordem do dia. Mais exatamente, o debate sobre o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, o qual regula as atividades, impedimentos, condições de exercício de funções bem como de atividade após a cessão dos mandatos. Aplica-se a membros de Governo, autarcas, deputados, juízes e magistrados, dirigentes da administração e de institutos públicos, entre muitos outros.
Corpo do artigo
A matéria das incompatibilidades é de grande delicadeza. É indiscutível a necessidade de regular de forma clara os impedimentos daqueles que exercem funções políticas e públicas com o objetivo de proteger e fazer prevalecer, em todas as situações, o interesse público. Há, contudo, preocupações que não podem ser ignoradas no debate.
O regime de incompatibilidades não pode ser amplo ao ponto de colocar em causa os direitos ao trabalho e à atividade económica porque se estendeu a sua aplicação a familiares diretos e indiretos dos titulares de cargos. Não deve prejudicar o regresso à atividade profissional após uns anos na política. Em particular, não deveria traduzir-se numa redução drástica da autonomia dos titulares de cargos, criando laços de dependência excessivos por limitação daquelas possibilidades de regresso à vida profissional.
Como em muitos outros domínios, a salvaguarda do interesse público deve fazer-se através do equilíbrio entre medidas administrativas restritivas e práticas obrigatórias de transparência acrescida. Colocar o acento sobretudo nas medidas restritivas cria emaranhados normativos que tornam opacos os impedimentos reais e se constituem em fontes de perturbação do escrutínio público. Burocratizar a incompatibilidade é o caminho errado. Do que precisamos é de regras simples e limitadas a par de obrigações de maior transparência.
De outro modo, as anomalias tenderão a multiplicar-se. Como a da curiosa incompatibilidade que envolve professores do Ensino Superior e deputados. De acordo com as normas em vigor, os deputados que são, simultaneamente, docentes do Ensino Superior podem dar aulas, não estão impedidos de acumular funções. Porém, se derem aulas em instituições públicas estão impedidos de ser remunerados. Já se derem aulas em instituições privadas podem ser remunerados pelo seu trabalho. Não se compreende. É um exemplo de incompatibilidade que não protege o interesse público.
*Professora universitária