Corpo do artigo
A estupidez humana é uma extraordinária oportunidade de negócio. Só assim se encontra explicação – claro que isto é uma opinião pessoal – para a existência de uma empresa que vende viagens ao espaço de pequenas porções de cinzas humanas, ou amostras de ADN de pessoas falecidas, com uma motivação mística qualquer. Talvez não tão relacionada com a espiritualidade, que nos remete sobretudo para uma dimensão imaterial, antes com uma espécie de misticismo científico que leve pessoas a querer encontrar para os seus saudosos entes queridos (escolhi esta expressão propositadamente por detestá-la) uma proximidade àquela condição de “star stuff” de que falava Carl Sagan.
Não há, na língua portuguesa, tradução que faça justiça à expressão “star stuff”. Coisas das estrelas é impreciso, pó das estrelas é redutor... mas, enfim, dá para perceber que há pessoas que, particularmente se não souberem o que fazer ao dinheiro, valorizam a ida das cinzas lá acima, que pode ter vários desfechos, ditados pela tabela de preços. O mais barato (3495 dólares) é uma viagem de ida e volta. Subir, chegar ao limiar da atmosfera e regressar, sendo as amostras de cinzas ou de ADN devolvidas aos clientes. Por mais algum dinheiro ($ 4995), a nave com as amostras de defuntos entra em órbita e reentra na atmosfera, desintegrando-se como uma estrela cadente. Subindo a fasquia ($ 12 995), os restos de seres humanos são levados à órbita lunar, ou mesmo à superfície do nosso satélite natural. Pelo mesmo preço dessa última opção, a nave funerária segue viagem rumo aos confins do espaço.
Por estes dias, tal negócio foi notícia porque uma das naves com o serviço mais barato (pertencente a uma empresa aeroespacial europeia que aluga espaço à “agência funerária espacial”, dos Estados Unidos), que pressupunha a devolução das amostras de cinzas e ADN aos familiares, caiu ao mar, eventualmente perdendo-se para sempre.
Cada um terá a sua ideia, mas haverá formas mais bonitas de gastar o dinheiro, como seja dar de comer a quem tem fome. Só que isso é também conversa da treta, não só porque cada um gasta o seu dinheiro como muito bem lhe apetecer, mas também porque a empresa aeroespacial (não a “agência funerária”) pode assim ajudar a custear missões que têm também propósitos científicos.
Para mim, numa semana em que o meu mundo profissional vampirizou, muito para além do razoável, uma trágica fatalidade que foi notícia no mundo inteiro, é de algum modo reconfortante perceber que a insanidade perante a morte é coisa generalizada.