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Todos ouvimos já este palavrão, possivelmente a propósito de muitas outras coisas, mas certamente quando o tema são os dados em saúde.
Trata-se da capacidade de diferentes sistemas informáticos trocarem e partilharem dados entre si, de forma efetiva e eficaz, sem degradação dos mesmos em termos de coerência e significado, em tempo real e sem intervenção humana.
É facilmente percetível, intuitivo, mesmo, o potencial que daí advém ou pode advir quando falamos de dados de saúde. Conseguimos imediatamente ver o alcance que pode ter um médico, ou outro cuidador, que está a olhar para nós e por nós, a partir de meia dúzia de cliques no computador, ter na sua frente a nossa histórica clínica. Desde a maternidade até ao momento, todas as interações que fomos tendo com o sistema nos diferentes centros de saúde, clínicas ou hospitais por onde passámos, sejam eles públicos ou privados. Ali à mão - mediante a autorização do visado - tudo quanto é exame, medicamento, dispositivo médico, cirurgia ou outro evento ligado ao nosso percurso clínico, cuja informação esteja armazenada em computadores da rede.
Não é necessário ser especialista na matéria para perceber o enorme alcance da coisa, desde logo na qualidade da decisão.
Mas mais, se agora olharmos não para os dados de um indivíduo, mas para os dados de toda uma população, depois de devidamente anonimizados, este potencial escala exponencialmente, passando a constituir um instrumento precioso em que se estruturarão, estou certo, as estratégias de investigação, inovação e gestão da saúde do futuro.
Infelizmente, tudo isto, ou quase tudo isto, ainda não passa de ambição. Sabemos que o tema não é nada fácil. Deitando um olhinho ao que se vai passando nos demais países da Europa, veremos que não há ainda nenhum que tenha já resolvido completamente o assunto. Uns estão mais perto de o fazer, outros mais longe. Uma nota muito positiva para as tentativas de abordar a questão à escala da União Europeia, passo meritório e com alguns resultados, mas, mais uma vez, ainda com muito caminho para andar.
O que falta, então? Na minha modesta opinião, falta a conjugação - articulada, se for possível - entre a decisão governamental, que tem de ser empenhada e determinada, com a pressão da sociedade civil. Desde o cidadão, às instituições - hospitais, empresas e academia -, passando pelos profissionais, todos temos de emprestar a este tema o caráter de urgente e prioritário. Manter o assunto permanentemente na ordem do dia. Não aceitar mais adiamentos.
Olhando para a nossa realidade nacional, já perdi a conta às promessas solenes e calendarizadas dos mais altos responsáveis que, uma atrás da outra acabaram no incumprimento. Tivemos mesmo, muito recentemente, a possibilidade de alocar importantes recursos financeiros do PRR para este efeito que, temo, vão acabar transferidos em larga medida para a renovação do parque de computadores pessoais do SNS, fim que, não deixando de ser nobre, está longe de ser o desejado.
Se não houver uma forte e permanente pressão por parte da opinião pública, em particular dos profissionais do setor e, claro, do maior beneficiário, o cidadão, como a empreitada não é mesmo nada fácil, nada vai acontecer, com as consequências negativas que não são difíceis de antever: a degradação dos cuidados prestados e o posicionamento das nossas empresas e academia na cauda da inovação europeia em saúde.