Tem-se tornado persistente a perceção quanto a um peso excessivo do investimento público na utilização dos fundos europeus. Ainda há dias, o JN titulava "Setor público recebe mais fundos europeus"...
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Este é um tema que merece análise. Em primeiro lugar, porque esta perceção e o seu discurso popular assentam numa dicotomia ultrapassada e injusta que opõe os investimentos públicos aos privados, quando na verdade eles são complementares. Um não deve existir sem o outro. Não são os bens públicos - como a educação, a saúde, a ciência, a mobilidade ou a cultura - estratégicos e necessários à competitividade da economia e das nossas empresas? E não é evidente a relação de ganhos mútuos entre a economia do turismo e a dinâmica das cidades, dos museus e da cultura? E não são os portos de mar, os institutos e parques de ciência e tecnologia ou as áreas de acolhimento empresarial essenciais à inovação e à internacionalização das nossas empresas - e estas à sua sustentabilidade?
Nesta análise, importa ainda perceber que alguns importantes (ou "pesados") investimentos públicos visam o próprio desenvolvimento empresarial. Senão vejamos: sendo o IEFP o maior beneficiário de fundos europeus em Portugal, a quem se destinam os apoios à criação de emprego (aplicados em milhares e milhares de empresas) ou as ações de formação profissional senão às próprias empresas?
Sendo rigorosos, devemos reconhecer que esta dicotomia perdeu o seu sentido e que não é a natureza do promotor que qualifica o investimento, mas o seu conteúdo e efeitos.
Por outro lado, há que perceber que os fundos europeus têm as suas finalidades e as suas regras, com efeitos na distribuição dos seus meios. Uma dessas regras determina que os investidores participem também nos respetivos projetos, com capitais próprios ou de empréstimos. Ora, em situações de crise, muitas empresas não se apresentam em condições de arriscar e investir.
Finalmente, é pelo menos discutível que em Portugal o setor público tenha um peso excessivo no destino dos fundos europeus. Num recente estudo comparado do Parlamento Europeu, Portugal apresenta uma percentagem superior de aplicação dos fundos europeus nas suas empresas ao da média comunitária, superando Espanha, França, Polónia, Bélgica ou Suécia.
Como em tudo na vida, há momentos em que é preciso olhar a realidade de frente, dispensando as lentes do preconceito e da ideologia.
*Presidente da CCDR-N