Foi a única monarca inglesa que me habituei a conhecer desde que nasci e com a morte de Isabel II termina uma era. A atual primeira-ministra britânica, Liz Truss, chamou-lhe o rochedo e esta avaliação é muito justa e corresponde ao papel que a monarca desempenhou nos últimos 70 anos, desde 1952, tendo atingido o jubileu de platina e ultrapassado a rainha Vitória.
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Conheceu quinze primeiros-ministros. Trabalhou com eles na construção do Welfare State, no desenvolvimento da democracia britânica e na afirmação de valores que se foram enunciando ao longo dos tempos. Churchill, Wilson, Thatcher, Tony Blair ou Boris Johnson são exemplos dessa variedade de políticos com quem conviveu.
Isabel II soube mostrar ao Mundo que uma monarquia pode ser responsável e confiante para os seus súbditos que são sempre cidadãos de plena expressão.
Salvou e soube sempre preservar a estrutura da monarquia, mesmo nos momentos mais críticos, como instituição.
Assumiu a chefia do Estado, logo a seguir à II Guerra Mundial, e teve como seu primeiro-ministro Winston Churchill. O trabalhista Clement Attlee, que ajudou a criar o estado do bem-estar e cujos sentimentos republicanos são conhecidos, escreveu que " todos os monarcas, se sabem escutar, adquirem, ao longo dos anos, um património considerável de conhecimento dos homens e dos seus assuntos. Se tiver também bom senso são capazes de oferecer bons conselhos".
Deste modo soube estar e prestigiar o exercício da monarquia constitucional e cumprir o compromisso que no dia 21 de abril de 1947, quando fez 21 anos, assumiu com os britânicos no sentido de dedicar a sua vida ao seu serviço e ao da grande família imperial a que todos pertenciam.
A grande família imperial desfez-se, mas a sua presença continuou assumindo a chefia de Estados como a Austrália ou o Canadá.
Viveu contradições como a morte de Diana, os divórcios dos filhos e da irmã Margarida e não teve problemas em assumir, num discurso, que o ano de 1992 tinha sido um annus horribilis.
Assistiu à entrada do Reino Unido na Europa do mercado comum e à sua saída com o Brexit. Viveu, como poucos protagonistas, uma era de intensa atividade onde acabou a Guerra Fria e desapareceu a União Soviética, onde os ventos da história, do seu primeiro-ministro MacMillan, levaram à criação de muitos países independentes.
O que se possa escrever sobre ela será sempre pouco. Despediu-se na sua Escócia, onde a proposta do Partido Nacional escocês, da primeira-ministra Nicola Sturgeon, previa que, em caso de independência, ela continuaria a ser a rainha do novo país.
Agora o tempo é de Carlos III. Os seus antecessores com o mesmo nome não foram felizes, esperemos que não seja um presságio. Isabel II não o merecia.
*Professor universitário de Ciência Política