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“Lendas e narrativas”, assim se chamava o livro de Alexandre Herculano, o qual li na minha adolescência escolar, e onde relembro com saudade a ideia de responsabilidade assumida por Afonso Domingues no famoso episódio do processo de construção da abóbada do Mosteiro da Batalha.
Lembrei-me deste título pelos últimos episódios que temos vivido na vida política portuguesa onde a ideia de responsabilidade política fica, muitas vezes, intencionalmente confundida com outras ideias de responsabilidade, como a disciplinar, a criminal ou a política.
A comissão parlamentar de inquérito à TAP foi um paradigma dessa linha do tempo cuja narrativa foi variando de personagem para personagem conforme a sua importância na cadeia de processo de decisão. Todos trazem só uma dimensão de confusão e ruído ao esclarecimento da verdade, contando, quase sempre, uma realidade paralela que só a eles lhes convém.
O recente caso do uso do avião Falcon, pelo primeiro-ministro, releva, mais uma vez, que o debate político se faz assente em pormenores de agenda, aparente e eticamente reprováveis sem acrescentarem nenhum valor ao assunto e à sua discussão.
Sabemos que os resultados das últimas sondagens dão um empate técnico entre o PS e o PSD e deixam 13% de votos para o Chega acabar por ser o fiel da balança parlamentar.
Num Portugal dividido entre a Direita e a Esquerda seria previsível que a alternativa ao Governo estivesse, neste momento, muito mais forte e robusta. Isso não acontece por ausência de uma clara estratégia que vá mais longe e seja mais consistente do que esperar pela perda do poder para o apanhar de seguida.
Perante um Mundo com desafios imensos no domínio da geoestratégia e da geopolítica, das alterações climáticas até à transição digital falta uma visão de grande alcance para Portugal. A nossa presença na União Europeia, por exemplo, precisa de se preparar para as próximas transformações assentes num outro alargamento e no papel futuro do Pacífico.
Perante isto, precisamos de ir mais longe na avaliação política e na tomada de decisão.
Precisamos de compreender que a política não se faz só de casos e casinhos, mas também de decisões e propostas de políticas públicas que saibam ser desígnios para Portugal e ter capacidade para mobilizar os portugueses.
Estamos, pois, no tempo de deixar de contar lendas e narrativas aos portugueses quando estes pretendem ter um serviço nacional de saúde com capacidade de resposta, com uma escola pública de serviço, o seu sistema de segurança social assegurado, uma carga fiscal mais amiga da poupança e do investimento e salários com perfil europeu.
Vamos aprender que a responsabilidade política começa por saber falar verdade e cumprir com os compromissos eleitorais.
*Professor universitário de Ciência Política