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Tomando a recentemente anunciada reforma do SNS, que passa por concentrar, a partir de janeiro do próximo ano, a oferta da prestação de cuidados em 39 unidades locais de saúde (ULS) e nos atuais três institutos de oncologia (IPO), valerá a pena refletir sobre o tema da liberdade de escolha de que o cidadão passará a beneficiar, tanto quanto referido, de forma generalizada.
Se assim for, qualquer um de nós, enquanto utente ou cliente do SNS, passará a poder escolher a ULS em que quer ser tratado, independentemente da sua área de residência. Mais, e igualmente de acordo com o que foi anunciado, esta opção terá tradução na forma como estas unidades de saúde serão financiadas observando-se o princípio de o dinheiro seguir o doente.
Com efeito, tendo em conta a natureza do nosso SNS: geral, universal e tendencialmente gratuito; este princípio surge como implícito à liberdade de escolha.
No pressuposto de que assim vai ser e de que no final do dia não vamos ter um infindável rol de exceções e particularidades que vão desvirtuar todo o modelo, trata-se, no meu modesto entendimento, de um enorme avanço no bom sentido e, de certo modo, uma simpática disrupção no que tem sido o estado de coisas a que o SNS foi deixado chegar.
O que esta alteração vem introduzir são as dinâmicas associadas à avaliação pelo doente/cliente - último elo da cadeia e destinatário e razão de todo o sistema - e à consequente capacidade de decisão quanto à escolha de quem haverá de o tratar.
Tenho para mim que há aqui muito de óbvio, pelo menos numa primeira leitura, desde logo pelo seu elevado alinhamento com as demais realidades do nosso dia a dia. Embora por vezes a tentação surja, a saúde não pode ser uma ilha na nossa organização comunitária e muito menos uma ilha de ineficiência e de desperdício, como desgraçadamente tem sido, escudada numa esfarrapada argumentação que apela à especificidade e à sensibilidade da sua atividade.
De facto, o que temos da saúde, na sua essência, são sistemas complexos, com muitas variáveis, e com elevado consumo de recursos muito escassos e sobretudo muito caros, cuja eficiente gestão depende, entre muitos outros fatores, de um ambiente de competitividade que a condição de ser público, ou de matriz maioritariamente pública, não pode dispensar.
A liberdade de escolha, que terá que ser informada, o que reforça o papel do médico ou do enfermeiro de família, vem dar um importante contributo para colocar o cidadão, seja doente ou ainda não, no local onde deve estar: no centro e com poder de decisão. Não um poder individual, mas uma força determinante em termos coletivos: o poder do consumidor num quadro de pressão competitiva entre prestadores orientado à eficiência na afetação dos recursos.
O melhor indicador do sucesso de uma reforma desta natureza, seria a da evolução para a coexistência de unidades com muita procura com unidades quase desertas. A consequência lógica, seria a de haver a coragem de fechar estas últimas, purificando e fortalecendo assim o sistema.