Corpo do artigo
Ao fim de 51 anos de democracia, o país político ainda não amadureceu ao ponto de evitar a formação de trincheiras ideológicas sempre que celebramos o 25 de Abril. E a coreografia repete-se: a Esquerda reivindica a exclusividade da data, a Direita divide-se entre a contenção institucional e o menosprezo bacoco. Todos ignorando que um povo que vive em liberdade corporiza uma vitória coletiva histórica sobre todas as formas de opressão. E que esse valor tão profundamente enraizado não deve ser exposto a nenhuma forma de leilão.
Desta vez, o Governo decidiu que não ia participar na festa, porque isso, no tacanho entendimento de alguns ministros, traduzir-se-ia num desrespeito pela memória do Papa Francisco. Como se os cidadãos fossem atrasados mentais e não soubessem fazer a distinção entre a necessidade de recolhimento pela morte de uma personalidade ímpar e o natural desprendimento associado a uma celebração que nos deve agitar o espírito. Na verdade, tudo não passou de ruído. A Assembleia da República assinalou a data com a solenidade habitual e os portugueses desembainharam os cravos e foram para a rua festejar um dia memorável, provando que a vontade própria não sucumbe aos caprichos de um ditame governamental. Naturalmente que a campanha eleitoral tornou este fait-divers mais colorido, mas o que resulta disto tudo é a triste constatação de que para alguma classe política os portugueses ainda vivem sequestrados pela obediência à religião e sujeitos às regras de conduta do Estado. Felizmente que a liberdade que Abril nos deu corre sem trela em todas as direções.