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Sempre houve apartes reprováveis nos debates parlamentares. Eram, no entanto, comportamentos ocasionais e circunscritos. Agora, estamos a assistir a uma generalização, pelos deputados do Chega, da má-criação, dos insultos, mas também da crueldade, no tratamento dos temas e das pessoas. Na sala do Plenário como nas das comissões e nos espaços públicos do Parlamento. E isso como regra, como principal instrumento do debate político, substituindo a racionalidade e o debate de ideias pelos ataques verbais destrutivos a pessoas ou grupos de pessoas.
O que está a acontecer não é apenas lamentável, mas perigoso. Apela às emoções descontroladas, diminui ou mesmo elimina a racionalidade, abre as portas à agressividade e à violência. Sabemos, hoje, que o autocontrolo das emoções é uma das condições da vida pacífica nas sociedades modernas. Com os comportamentos a que temos assistido no Parlamento, e não só, este autocontrolo está a ser destruído e o debate político a ficar muito mais violento. Os populismos e os nacionalismos são perigosos justamente pelo apelo que fazem às emoções não controladas.
O que se está a passar no Parlamento não é assunto menor, não é episódico, não é localizado. É um tipo de comportamento e de discurso usado cada vez mais de forma sistemática e calculada. Por isso mesmo deve ser criticado, denunciado e combatido, também de forma sistemática.
Discute-se, agora, se comportamentos como os protagonizados pelos deputados do Chega devem ser objeto de sanções, como, por exemplo, as que estão em uso no Parlamento Europeu. Estas incluem o retirar a palavra aos deputados ou mesmo a sua expulsão da sala. A possibilidade de aplicar sanções deve, evidentemente, ser ponderada com muito cuidado e prudência. Mas devo dizer que, entre as reações musculadas e a apatia há muito espaço para a condenação e o sancionamento. É tão intolerável assistir aos insultos e à má-criação reiterada dos deputados do Chega, como presenciar a passividade dos órgãos da Assembleia da República, em particular do seu presidente.
Deixemo-nos de ingenuidades. Estamos a assistir a comportamentos usados para intimidar, para desestabilizar, para destruir as regras democráticas de debate e de decisão política. Os deputados do Chega não se comportam apenas em termos mal-educados e grosseiros. Usam a má-criação e a grosseria como instrumento de combate político para impor uma nova ordem autoritária baseada na crueldade e no desrespeito pelos valores da dignidade humana. E isso não podemos aceitar.