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A cidade de Gaza está há vários dias cercada pelas tropas de Israel. No último mês, na Faixa de Gaza, já terão morrido, na sequência dos bombardeamentos israelitas, cerca de dez mil palestinianos. A esta atrocidade, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chama “êxitos impressionantes”.
Estes “êxitos impressionantes”, que ecoam na nossa cabeça, provocando golpes de dor pelo que significam em perdas de homens, mulheres e crianças, faz lembrar as parangonas dos jornais publicados durante a Primeira Guerra Mundial. É um retrocesso civilizacional enorme e, em pleno século XXI, é incompreensível.
Ainda assim, com a objetividade possível nesta catástrofe, temos de regressar ao dia 7 de outubro e ao desumano ataque do Hamas em Israel, que ceifou a vida a cerca de 1400 pessoas e fez 242 reféns e de repensar a afirmação do governo de Israel de que o Hamas apanhou todos de surpresa. De facto, custa a crer que um Estado que tem um dos serviços secretos mais avançados do mundo tenha sido surpreendido pelo Hamas.
No dia do ataque, o primeiro-ministro israelita, na rede social X, registou a sua estranheza por não ter sido avisado pelo Hamas da intenção de guerra com Israel e ainda assegurou que os serviços secretos do país acreditavam que controlavam o Hamas e estavam seguros de que este grupo islamita estaria interessado num compromisso com Israel.
Ora, as guerras nem sempre começam com declarações de guerra oficiais. São muitas as vezes em que se iniciam de surpresa. Por isso, não se percebe por que motivo o primeiro-ministro de Israel entendeu que deveria ter sido avisado pelo Hamas das intenções belicistas, nem se compreende como os serviços secretos, civis e militares, acreditavam num desejo de compromisso para a paz por parte do Hamas e pensavam que tinham este grupo sob controlo. Se há coisa que já todos percebemos é que grupos ou movimentos de natureza terrorista nunca estão controlados nem são de confiança.
Nesta guerra Hamas-Israel-Hamas há mais dúvidas do que certezas e só o tempo nos dará algumas respostas verdadeiras. Até lá, apenas podemos fazer conjeturas e
equacionar cenários para entendermos racionalmente este conflito. Por agora, só há uma certeza nesta guerra e tem sido repetida pelas mães de Israel e da Palestina: nada justifica o banho de sangue que Israel derrama todos os dias na faixa de Gaza.
As vidas têm todas o mesmo valor, mas, se o Hamas ceifou a vida a pouco mais de um milhar de pessoas, Israel já tirou quase dez mil vidas, entre as quais mais de quatro mil crianças. Para já não falarmos das mais de mil crianças desaparecidas nos escombros dos edifícios destruídos pelos bombardeamentos.
O desejo de vingança de Israel, em vez da vontade de justiça, provocará uma razia no povo da Faixa de Gaza e isso será um crime sem perdão contra a humanidade. Aliás, nos termos do artigo 2.º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, é um crime de genocídio. De nada adianta que alguns procurem tapar o sol com a peneira.
De acordo com esta Convenção, estamos perante um crime de genocídio quando se afirma a intenção de destruir um grupo (neste caso, o Hamas e, como danos colaterais, o povo palestiniano); se promove o assassinato de membros de um grupo; se realiza um atentado grave à integridade física e mental de membros de um grupo; e quando se submete deliberadamente um grupo ou um povo a condições de existência que levarão à sua distribuição física, total ou parcial.
A Convenção é clara no que é punível: o genocídio; o acordo com vista a cometer genocídio; o incitamento, direto e público, ao genocídio; a tentativa de genocídio; a cumplicidade no genocídio. Tal como é precisa sobre quem é sancionável: as pessoas que tenham cometido genocídio, quer sejam governantes, funcionários de um Estado ou cidadãos comuns.
As mães de Israel, apesar de chorarem os seus filhos mortos ou feitos reféns pelo Hamas ou transformados em soldados pelo seu governo, compreenderam esta fatalidade logo no dia 7 de outubro e é por isso que estão sentadas à frente da sede governamental, em Telavive, aguardando a demissão do primeiro-ministro. Querem ajudar as mães da Palestina. A única coisa que lhes querem matar é a fome e a sede. Desejam abraçá-las, porque são mães e sabem que as mães palestinianas não são o inimigo.