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Até ao momento, Kylian Mbappé, poderoso avançado francês que reforçou recentemente o Real Madrid, não teve um desempenho particularmente auspicioso no Campeonato da Europa de futebol. No primeiro jogo, frente à Áustria, até esteve na vitória da França pela margem mínima, mas saiu nos minutos finais, com o nariz feito num oito; no segundo, diante dos Países Baixos, nem sequer entrou em campo, por culpa do nariz partido.
No entanto, já é dele um dos momentos mais relevantes deste Europeu. Ainda antes da estreia na prova, surpreendeu com uma forte tomada de posição política. “Sou contra os extremos, aqueles que dividem”, assumiu, a propósito do momento eleitoral que se vive em França. Nas recentes eleições europeias, a União Nacional, partido de extrema-direita liderado por Marine Le Pen, esmagou a concorrência, com mais do dobro da percentagem obtida pela coligação encabeçada pelo partido de Emmanuel Macron, atual presidente francês. O baque foi tal que Macron dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas. Agora, as sondagens são claramente favoráveis ao partido da senhora Le Pen.
Foi este o contexto que levou Mbappé, filho de pais africanos e capitão da seleção francesa, a erguer a sua voz. “Apelo aos jovens para que votem. Vemos que os extremistas estão à porta do poder”, alertou. Disse mesmo que não queria representar um país que não correspondesse aos seus valores. A sonante tomada de posição secundou as declarações feitas na véspera por Marcus Thuram. O filho do antigo internacional francês Lilian Thuram falou num momento “triste e grave” e apelou à luta para que a União Nacional não vencesse. Sendo Mbappé um dos jogadores mais mediáticos e valiosos do Mundo, o “statement” ganhou, sem surpresa, outra projeção. Se será suficiente para ter um impacto real nas eleições, é ainda cedo para dizer.
Mas parece claro que superestrelas como ele, com milhões de seguidores nas redes e um alcance global, podem ter uma palavra decisiva nos tempos perigosos em que vivemos - que o diga Taylor Swift. Seja a alertar para a forma perversa como a extrema-direita procura transformar a frustração (legítima) face às dificuldades do dia a dia em ódio contra o outro, a sensibilizar para o genocídio em Gaza ou a chamar a atenção para a emergência climática. No entanto, por inércia, comodismo ou oportunismo, num tempo em que as figuras mediáticas parecem mover-se a seguidores e tração nas redes, são ainda poucas as vedetas que erguem a voz em questões fraturantes. É por isso que Mbappé já ganhou, mesmo que perca o Europeu. No desafio que realmente importa (e eu sou fã de futebol desde que me lembro de ser gente), o avançado francês atirou certeiro. Seria bom que outros lhe seguissem o exemplo. Enquanto há tempo.

