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É expectativa generalizada que, com mais ou menos ruído e respetiva amplificação mediática, na essência e no estruturante, a mudança de Governo não traga grandes alterações de rota no caminho das políticas públicas de saúde, o que, devo dizer, a verificar-se, é uma boa notícia, com que os portugueses só têm que se congratular.
Sim, definitivamente, todos temos a ganhar se for possível minimizar e amortecer as inevitáveis descontinuidades e perturbações na ação que ocorrem com as mudanças de ciclo político, em particular aquelas que resultam da tentação de destruir tudo o que vem de trás para começar de novo.
Não será esse o caso e creio mesmo que na (nova) equipa governativa da saúde estará como preocupação central potenciar e amplificar o que de bom está feito, ou em curso, e colocar o foco na resposta, em tempo útil, a um conjunto de desafios com impacto imediato na qualidade de vida dos cidadãos - o prometido plano a apresentar em 60 dias.
Contudo, as muito recentes notícias sobre a demissão em bloco da Direção Executiva do SNS não podem deixar de merecer atenção e preocupação, uma vez que em cima da mesa temos uma reforma ainda em curso, de grande impacto no complexo sistema nacional de saúde, orientada ao reforço da gestão, sobre a qual há um generalizado consenso quanto ao essencial e na qual todo o setor e todo o país deposita grandes expectativas.
Atrevo-me a dizer que é muito escassa a margem para reversões de fundo, como é inexistente o tempo para as executar, pelo que, com a atual ou com outra Direção Executiva, o retrocesso não parece ser possível e muito menos aconselhável.
A complexidade, dimensão e centralidade do sistema nacional de saúde e, por maioria de razão, do Serviço Nacional de Saúde, deixa cada vez menos espaço ao improviso e reclama abordagens de fundo, sustentadas em amplos consensos nacionais que, a menos que não queiramos ver, estão há muito encontrados. Vale a pena refletir que sempre que saímos deles, as coisas não correm bem e, no final, quem paga é o cidadão, não só na pele de contribuinte, mas também, e onde mais dói, na de doente.
Há, no entanto, muita margem para melhorar e aprofundar. E aqui há duas áreas que reclamam toda a atenção e energia das novas responsáveis pela saúde, sendo certo que para a sua concretização e implementação, desde que a liderança seja lúcida e clara, contarão com o empenhado envolvimento de todo um setor que sabe o que quer e como o quer.
Estou a falar da digitalização e da utilização do potencial dos dados na saúde, onde um enorme desafio está perfeitamente ao nosso alcance: a criação do Health Portugal Data Lake.
E estou a pensar também na generalização a todo o SNS da adoção da abordagem baseada no valor (Value Based Healthcare), gerando deste modo a capacidade de medir resultados percecionados pelo doente/cliente e, consequentemente, um salto disruptivo nos modelos de gestão a adotar.
O empenho declarado dos responsáveis políticos ao mais alto nível, galvanizando os esforços em curso e elevando estes temas à qualidade de desígnio nacional, seria determinante para o seu bom desfecho, que bem merecemos.